segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Obrigado pelo Natal

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br


Márcio pediu a sua enésima Brahma ao Ademar, dono do “Bar Cisne” e ficou olhando para a moreninha de cabelos cacheados, nariz arrebitado, decote exagerado, sentada a sua frente e que não parava de falar.
Havia se assentado naquela mesa no começo da tarde, morto de fome e pedira um frango assado na “vitrine de cachorro”.
- É o mais saboroso da cidade – disse a moreninha e sem ser convidada refestelou-se em uma das cadeiras vazias à mesa, servindo-se de cerveja e saboreando uma asinha do frango.
Ele pensou que ela não precisava lhe dizer isso, pois freqüentava aquele botequim muito antes de se mudar para Beagá. Chamava-se então “Bar Recreio”, o dono era o Mauro e era bem mais simpleszinho. Naquela época vivia da mesada do pai e não poderia beber nem um pouco daquelas muitas cervejas .
Fosse um dia normal e não se importaria com a presença da moreninha pegando no seu pé.
Mas, aquele era um dia especial. Era Natal...O primeiro Natal longe de Linda...
No último Natal estava com ela no apartamento de um amigo, na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Fazia um calor infernal, o apartamento parecia uma caixa de fósforos de tão pequeno e acabaram avisando aos outros que iriam até o Sendas, antes que fechasse, comprar algumas coisas para ceia.
Lá fora caía uma chuva forte que molhou nossos corpos e lavou nossas almas de toda a poluição humana..
Ela sabia o quanto eu era rude, um brutamonte com diploma e me falou nos ouvidos que o Natal significava não só o nascimento do Menino Jesus, mas o nosso renascimento e das nossas esperanças...
Era uma mulher profundamente espiritualizada e que tinha convicções arraigadas sobre o sentido e o propósito da vida.
Compramos algumas comidinhas próprias da época, ela escolheu um bom vinho chileno, uma pequena caixeta de uvas e uma boa porção de rabanada, que eu detestava.
Na portaria do prédio uma sombra na escuridão moveu-se na nossa direção.
Atento, preparei-me para o ataque de um assaltante vindo do Morro Santa Martha ou de um pedinte mais audacioso.
Para minha surpresa era um garotinho de pouco mais de oito anos, de cara suja, olhos brilhantes, enrolado em um cobertor maltrapilho.
- Moça. Ajudem a gente a comer! – disse com voz rouca.
Como sempre acontecia, nem mesmo tive tempo de raciocinar e Linda tomou-me as sacolas das mãos e entregou-as ao pivete.
- Obrigado pelo Natal! – ele gritou sorrindo e correndo sumiu na escuridão.
Fazia bastante tempo que Linda esse vale de lágrimas, mas não podia esquecer seu desprendimento e amor fraterno aos seres humanos.
Levantou-se cambaleante, abraçou e beijou a moreninha, agradecido por sua companhia.
- Obrigado pelo Natal...-disse finalmente.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As emoções nos descaminham

Outro dia recebi um convite para a abertura de uma exposição de Maria Helena Andrés no Palácio das Artes e fui procurar uma imagem para uma matéria na web.
Nem bem bati um olho numa foto lembrei-me do dia que eu e seu filho Maurício Andrés Ribeiro, resolvemos criar a Frente Estudantil Renovadora (FERA), no Colégio Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para disputar o centro acadêmico.
Maria Helena Andrés que já era uma pintora renomada nos permitiu utilizar o verso de folhas de papel onde fazia os estudos para seus trabalhos a óleo.
Enquanto eu escrevia nossas palavras de ordem ficava olhando para aquelas madonas e naves perdidas num mar imenso, aquele torvelinho de cores, tentando imaginar a mensagem que estava por trás de tudo aquilo.
Ganhamos à eleição e os cartazes desapareceram todos dos corredores onde haviam sido afixados.
Esta deve ter sido a “campanha política” com maior viés cultural que participei, numa época em que o mundo já estava virando de pernas para cima.
No jornal “O Tempo” impresso encontro uma foto de Humberto Pereira, que está lançando “Carlos Prates”, dentro da coleção “BH. A Cidade de Cada Um”.
Se não me falha a memória ele era dominicano e professor de cinema da Universidade Católica de Minas Gerais.
È o produtor desde o começo do “Globo Rural”, da Rede Globo.
Tinha uma voz macia e participava de nossas intermináveis conversas nas mesas de botequins de melhor ou pior qualidade, em assuntos infindáveis sobre o cinema de Godard, Buñuel, Antonioni e Bergman, ao lado de maravilhosas garotas que faziam Psicologia.
Os dominicanos exerceram dois papéis importantes naquela época. Eram especialistas em comunicação de massa, o que era muito importante para Igreja Católica e tiveram uma expressiva participação na luta contra a ditadura militar, principalmente escondendo os perseguidos pelo regime.
Lembro-me dele e me ponho a meditar como são mal utilizadas as tevês educativas no país, sempre tentando imitar o glamour das grandes redes e olvidando seus princípios básicos.
Recebo através do Geraldo Bertolucci, parceiro do Lavras 24 Horas, a indicação para um vídeo caseiro, mas muito bem feito, “Histórias que se entrelaçam”, sobre o Rotary Club de Lavras e o Instituto Gammon.
Nas primeiras cenas já vejo figuras que fizeram parte da minha formação de adolescente..
O primeiro deles o Bi Moreira, que tinha fama de lunático, porque colecionava coisas inúteis que as pessoas não queriam mais no porão de suas casas que se modernizavam na onda do que se chamou Anos JK. Sua outra mania era o desfile do aniversário do Gammon, com quadros ao vivo, o que o fez me transformar num Castro Alves bem convincente...
A seguir a calvície inconfundível de Sinval Silva, filosofo de plantão e um grande educador, de pensamento e língua afiados...
Forma-se então a imagem do meu professor de Geografia, Oswaldo Louzada, que é um dos últimos sobreviventes daquele tempo e que vejo ainda lépido, nonagenário, pelas ruas da cidade.
Depois a figura de Lawrence Calhoun, que foi reitor do Gammon e sempre insistia para meu tio Roberto Coimbra e meu pai Renato Aquino Pádua se filiarem ao Rotary. Apesar do insucesso da empreitada sempre tentou. Um homem muito bom que desfilava pelas ruas de Lavras num imponente Chevrolet Impala verde...
O próximo, Eduard King Carr teve um importância marcante na minha vida. Num dia de festa no Gammon, na Alameda das Magnólias, me pegou de mãos dadas com a Ellen Carmen Paul, catarinense de Timbó e nos espinafrou...
Bom. Mas a história que eu queria contar hoje era outra.
Era a da bonita professora Franceli, sobrinha da Meirinha e da Arlete, da rede municipal de ensino que levava num final de semana quatro alunas ao cinema como prêmio pelo interesse e incentivo à busca pelo conhecimento e foi flagrada pela prefeita Jussara Menicucci e sua câmera. Para mim era um atitude normal, de caráter, pois eu já a conhecia desde o tempo que fui diretor de vôlei no Lavras Tênis Clube.
Não estranhei por que aqui em casa sempre foi assim também e o salário que Eudóxia, minha mulher, recebia era sempre revertido para os alunos.
Afinal, não adianta saber todos os métodos pedagógicos de cor e salteado. É preciso ter amor pela arte de ensinar...
Evidentemente os tempos estão mudados. E por isso mesmo os governantes deveriam se preocupar em remunerar melhor nossas professorinhas...
Para que todos pudessem se lembrar prazerosamente, como eu, da imagem da mulher linda que foi minha primeira mestra e da qual não consigo recordar o nome...