terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O último Réveillon



Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br

                A turminha se assentava na porta da loja do Tião Bonitinho e a Candinha era conhecida por dar notícias, falsas ou verdadeiras, de tudo o que acontecia na cidade. Opinavam sobre as mulheres mais bonitas, os maridos enganados, os mais cidadãos mais espertalhões, os políticos corruptos, quem estava quebrado ou ia quebrar, os que se encontravam na tábua da beirada, prestes a desencarnar... Falavam a língua do pê, ou chamada dos alfaiates, que era uma forma de se comunicar de uma maneira que  outras pessoas não entendiam o que se falava na frente delas. Parecia difícil, pois acrescentavam no final de cada sílaba da palavra, uma sílaba formada com a letra “P” mais o fim da sílaba original. O segredo era falar bem rápido. Olhavam bem nos olhos das meninas moças que passavam e diziam: p-eu-p-a-p-mo-p-vo-p-cê. Elas não entendiam, mas sabiam ser um elogio.
            Muitas pessoas davam a volta, passando pelo passeio do velho prédio da Prefeitura para evitar os fofoqueiros de plantão. Menos Xhosa, um africano respeitado pelos rapazes e que chegara na cidade fazia muito tempo, vindo sabe–se lá de onde. Estudara Contabilidade e era considerado o melhor guarda-livros da cidade. Com seu corpanzil gostava de jogar de futebol e era considerado um becão. Seu casamento com Mara, filha de um professor de Português, causou muita polêmica na cidade, porque ela loura, tinha uma pele muito alva, mais branca do que um copo de leite. Tiveram três filhas e Marcinho foi o primeiro da Candinha a notar que o africano andava não olhando para o chão cheio de buracos das calçadas, mas para o infinito, muito além do Sol. Ou ficava, no seu descanso, na sacada de sua casa a tocar de forma exímia e sensível seu saxafone.
            No Ano Novo de 1974, uma terça-feira, participou de um jogo de futebol na Comunidade dos Ratos, banhou-se por longo tempo como era seu hábito e participou ao lado das filhas e da mulher, de uma linda ceia. Deitaram-se alta madrugada e Mara ainda ouviu as últimas notas do seu sax. Quando acordaram no dia seguinte, Xhosa desaparecera, no que parecia ter sido seu último Réveillon. A mulher se desesperou e o delegado Altair, foi seco e grosso quando conversou com o sogro, dizendo que aquele era um caso que nunca seria resolvido. “Seu” Alípio, gerente do banco avisou que Xhosa deixara uma conta corrente em nome da mulher e das filhas, com uma pequena fortuna. Não deram falta de roupas e nem de objetos pessoais. A única coisa que não foi encontrado em sua residência foi o seu instrumento musical. Mara chorou muito e nunca mais foi a mesma, sempre a esperar seu amado. Mesmo que fosse motivada por um simples boato de que ele teria sido visto em alguma localidade distante.
            No Réveillon de 2000, num sábado, sem mais nem menos, Xhosa desceu na rodoviária da cidadezinha e com mesmo hábito de olhar para o infinito, dirigiu-se para sua casa onde as filhas com os namorados participavam de uma ceia. Chegou tocando no seu saxafone “As times goes by” e numa cena emocionante abraçou-se a mulher Mara e as filhas. E depois abraçou o Papai Noel gigante colocado perto da Árvore de Natal. No meio da comoção ninguém lhe perguntou onde se enfiara por estes longos anos. Apenas Mara notou que o seu Xhosa não envelhecera nada e parecia até mais jovem.
            Depois dos brindes e desejos de um Feliz Ano Novo, de muita comilança, foi para seu antigo escritório de contabilidade e começou a escrever um livro que só foi encontrado por sua família anos depois. Na mais correta língua do pê, ou dos alfaiates, ele descrevia sua vida desde que nascera na África do Sul e sua vinda para o Brasil. Estranhamente não tocava no assunto dos anos em que desaparecera da cidadezinha. Falava isso sim de mundos estranhos no Cosmo infinito de Deus que conhecera depois do seu último Réveillon... Para Silveirinha, repórter de um pasquim chamado “O Clarim”, que olhava as pessoas debaixo de suas grossas lentes de míope, era tudo mentira. Xhosa faria parte de uma gangue sul-africana que fazia tráfico de crianças como descobrira em suas investigações. Para a família ele deixara uma mensagem para sempre na sua língua natal:  Geseende Kerfees en ‘n gelukkige nuwe jaar e que somente a Chacrinha entendeu como Feliz Ano Novo...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um tesouro mais que maravilhoso



Pedro Coimbra

            O francês GamalielChantal nem bem pisou as terras brasileiras tomou duas atitudes: descobrir como encontrar uma expedição que o levasse para o Campo dos Goitacás e marcar com a lâmina o rosto do sujeito que o chamou de “Pintarroxo”.
            A segunda mostrou-se totalmente ineficaz, pois nunca mais se livrou do apelido que detestava motivado por uma enorme mancha sanguínea no lado direito da face.
            Tantas fez que acabou, depois de muitas andanças,no Planalto de São Paulo onde se engajou na bandeira de Fernão Dias Paes Leme.
            Começou então a mostrar suas qualidades de fidalgo sempre ao lado dos poderosos, principalmente os religiosos que acompanhavam a expedição.
            Ficou conhecido como comprador do ouro e dos diamantes que aos poucos eram encontrados.
            Enquanto os portugueses e os “brasileiros” aniquilavam os selvagens que encontravam, fez amizade com eles, o que lhe garantia facilidade de mantimentos em suas aventuras.
            Foi quando construiu, com toda sua inventividade, sua primeira igreja, na verdade uma capela, num ermodo Caminho Velho.
            Passou então a ser procurado e transformou-se num grande edificador de templos, cuja fama ia além da Província.
            Mas, continuava com seus negócios mais ou menos escusos, com aqueles homens que escavavam o chão a procura da fortuna.
            Tudo que amealhava colocava numa grande caixa de madeira de lei que todos denominavam como a “Arca” e que ele levava nas suas andanças, sempre debaixo do seu olhar de coruja, que tudo percebe.
            Um belo dia foi chamado para os Campos do Senhor, apesar de em vida ser um grande herege.
            Não se soube mais de sua “Arca” repleta de riquezas.
            Começou então a lenda do tesouro de Pintarroxo, desaparecido em terras tão estranhas e pelo qual muitos homens e mulheres entregaram sua vida.
            Anos depois, em Guapé, cidadezinha de Minas Gerais, José Militão, um auxiliar de topógrafo veio a conhecer a história e apaixonou-se por ela e enfou na cabeça encontrar a herança do francês GamalielChantal.
            Por esse sonho abandonou posses e a família, tudo o que muitas vezes parecia impossível e de outras muito real.
            Tantas fez o mineiro rude e xucro que acabou encontrando aIgreja de São José dos Pobres, última obra do galego.
            O lugar já havia sido escavado e esquadrinhado por todos os cantos por diversos aventureiros.
            Foi então que Militãoideiou que o tesouro talvez não estivesse guardado numa arca de madeira, uma grande caixa, mas num pequeno relicário, mais fácil de ser escondido.
            Numa tarde de uma sexta-feira descobriu o que procurava assentado em dos pilares da igreja. Ávido por riquezas abriu-o e só encontrou folhas manuscritas.
Nelas o “Pintarroxo” dizia ter devolvido para as profundezas o ouro e as pedras preciosas, guardando apenas um tesouro mais que maravilhoso, o seu amor a Deus.
            José Militão, o Zé Doido, como hoje é conhecido, maltrapilho e macerado, pregando as riquezas do Reino pode ser encontradoperdido pelas cidades e arraias de  Minas Gerais...

sábado, 5 de novembro de 2011

Uma rua chamado pecado



Pedro Coimbra


Joaquim estava deitado na rede na varanda, todo cheio de preguiça. Nem bem se levantou e colocou um dos pés no chão, começou a pensar se aquele comportamento era pecado. Foi então que um anjo pimpão lhe apareceu numa nuvenzinha de fumaça e lhe disse: - Você está fazendo o mesmo que Macunaíma, o anti-herói brasileiro de Mário de Andrade.

Lembrou-se dos “Sete Pecados Capitais”, segundo o Padre José instituídos pela Igreja Católica para a Glória de Deus e a Salvação dos Homens: Luxúria; Gula; Avareza; Ira; Soberba; Vaidade e a Preguiça.

A maior parte dos alunos de Religião achavam que muitos deles tinha caído de moda. Para o padre o maior não constava da lista e era o onanismo , nome complicado para masturbação e que deixava as mãos cabeludas.

William Shakespeare, um gênio que escreveu sem cessar sobre os dramas da existência humana e que muitos pensam ter sido mais de um só indivíduo deixou escrito: “Alguns elevam-se pelo pecado, outros caem pela virtude...”

Passada a adolescência cercada de repressões e mitos do colégio religioso lembrava-se de dois momentos. O primeiro quando assistiu “Um bonde chamado pecado”/ A streetcar named desire, dirigido por Elia Kazan, com Vivien Leigh (Blanche DuBois) e Marlon Brando (Stanley Kowalski). O roteiro de Tennessee Williams mostra Stanley tentando intimidar a cunhada Blanche enquanto esta tenta seduzi-lo. E jogam com os pecados de cada um até o estupro da mulher.

O outro momento que Joaquim não se esquecia foi quando um jovem e progressista político assumiu a prefeitura da cidade. Grupos religiosos pressionaram e ele resolveu acabar com as casas de tolerância que se alojavam numa rua do centro da cidade. Terminada a polêmica toda a tribo que vivia da prostituição foi despejada. Muitas continuaram na cidade e outras desapareceram. Joaquim se perguntava sempre onde estariam Cobrinha, Suzana Pé de Pato e Eni, mulheres renomadas daquela época. As mulheres reuniram-se antes do instante final e rogaram uma praga contra o prefeito. Como praga de puta é pior do que de padre ele nunca mais se elegeu.
O mundo deu suas voltas, os hábitos e costumes mudaram e Joaquim muitas vezes via rostos de prostitutas andando pelas ruas. Do lado delas aparecia sempre o Tango, de terno de linho branco e sapatos bicolores, guia de uma turma de jovens pela zona boêmia, dizendo em alta e bom som:
- Corrupção é que é pecado, a maior das transgressões. Aquela era apenas uma rua chamada pecado...

sábado, 15 de outubro de 2011

Uma rua chamada pecado


Pedro Coimbra
ppadua@lnavinet.com.br


Joaquim estava deitado na rede na varanda, todo cheio de preguiça. Nem bem se levantou e colocou um dos pés no chão, começou a pensar se aquele comportamento era pecado. Foi então que um anjo pimpão lhe apareceu numa nuvenzinha de fumaça e lhe disse: - Você está fazendo o mesmo que Macunaíma, o anti-herói brasileiro de Mário de Andrade.

Lembrou-se dos “Sete Pecados Capitais”, segundo o Padre José instituídos pela Igreja Católica para a Glória de Deus e a Salvação dos Homens: Luxúria; Gula; Avareza; Ira; Soberba; Vaidade e a Preguiça.

A maior parte dos alunos de Religião achavam que muitos deles tinha caído de moda. Para o padre o maior não constava da lista e era o onanismo , nome complicado para masturbação e que deixava as mãos cabeludas.

William Shakespeare, um gênio que escreveu sem cessar sobre os dramas da existência humana e que muitos pensam ter sido mais de um só indivíduo deixou escrito: “Alguns elevam-se pelo pecado, outros caem pela virtude...”

Passada a adolescência cercada de repressões e mitos do colégio religioso lembrava-se de dois momentos. O primeiro quando assistiu “Um bonde chamado”/ A streetcar named desire, dirigido por Elia Kazan, com Vivien Leigh (Blanche DuBois) e Marlon Brando (Stanley Kowalski). O roteiro de Tennessee Williams mostra Stanley tentando intimidar a cunhada Blanche enquanto esta tenta seduzi-lo. E jogam com os pecados de cada um até o estupro da mulher.

O outro momento que Joaquim não se esquecia foi quando um jovem e progressista político assumiu a prefeitura da cidade. Grupos religiosos pressionaram e ele resolveu acabar com as casas de tolerância que se alojavam numa rua do centro da cidade. Terminada a polêmica toda a tribo que vivia da prostituição foi despejada. Muitas continuaram na cidade e outras desapareceram. Joaquim se perguntava sempre onde estariam Cobrinha, Suzana Pé de Pato e Eni, mulheres renomadas daquela época. As mulheres reuniram-se antes do instante final e rogaram uma praga contra o prefeito. Como praga de puta é pior do que de padre ele nunca mais se elegeu.
O mundo deu suas voltas, os hábitos e costumes mudaram e Joaquim muitas vezes via rostos de prostitutas andando pelas ruas. Do lado delas aparecia sempre o Tango, de terno de linho branco e sapatos bicolores, guia de uma turma de jovens pela zona boêmia, dizendo em alta e bom som:
- Corrupção é que é pecado, a maior das transgressões. Aquela era apenas uma rua chamada pecado...


terça-feira, 27 de setembro de 2011

Feliz da vida



Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br

No Skina 22 eu conversava com “Zorongo” que foi um dos primeiros a rumar para São Paulo na década de 60. Jovens que mal haviam terminado o Tiro de Guerra viraram bancários de uma hora para a outra.
“Morávamos num casarão, o ´Ninho das Águias`, em Moema”, contava Mário “Zorongo” e lembrava-se de uma casinha, parede e meia, onde morava um casalzinho. Aos sábados a moçada não trabalhava e a mulher se exibia, vestindo um shortinho muito curto e cavado que deixava todos alucinados.
“Ela ouvia, ´Que queres tu de mim`, com Altemar Dutra”, lembrava Mário. “Que queres tu de mim/Que fazes junto a mim/Se tudo está perdido, amor”, e ele deixava os boêmios estupefatos enquanto fazia melodrama e dizia que Evaldo Gouveia e Jair Amorim eram gênios.
“Minha mãe me enviou uma carta dizendo que meu pai fora preso pelos milicos. Depois foi inocentado por um coronel em Juiz de Fora, mas já perdera seu emprego público. Foi então que me demitiram do banco”, contava “Zorongo”.
“Voltou para casa?”, perguntei interessado naquela história.
“Zorongo” pediu mais uma caipirinha e mais uma Brahma antes de responder.
“Que nada! A casa caíra de vez. Meu velho saía bem cedinho, com uma pasta de couro na mão, como se fosse trabalhar na sua repartição e sentava-se numa mesa no Bar Pinguim. Bebia cachaça com groselha o dia inteiro e voltava cambaleando. Sua história de vida acabou. Morreu de cirrose”, contava com os olhos cheios d água.
Muito tempo depois Mário “Zorongo” foi para Belo Horizonte procurar trabalho até que encontrou Antonieta, uma morena que não era bonita, mas tinha pernas compridas, lindas. O pai dela era gerente de uma empresa de mineração e arranjou emprego para o genro na mesa de open market de um banco.
“Verdadeiramente só pensava em voltar para cá por que detestava Beagá. Um dia fui para a rodoviária e peguei o primeiro ônibus. Deixei para trás um amor e um bom emprego. Tinha idéias impossíveis de realizar com meu pequeno capital. E ouvia os versos da música cantada por Altemar Dutra: ´Não sei o que pedir/ Se tudo o que desejo é paz/Que culpa tenho eu/ Se tudo se perdeu...”, cantarolava Mário “Zorongo”.
Devorávamos um “Frango à Passarinho” enquanto ele dizia que um dia encontrou em sua casa uma maquina de escrever Olivetti Lettera.
“Naquele momento tive mais do que uma inspiração, uma iluminação! As pequenas cidades não possuíam jornais impressos. Não havia notícias locais. Lembrei-me de um conhecido dono de uma gráfica em Juiz de Fora. Fiz lá o número zero de um jornal modelo e saí vendendo a idéia. Em pouco tempo eram mais de cinqüenta locailidades e eu trabalhava até alta madrugada na redação e depois levava para imprimir”, ele me dizia olhando o movimento das mocinhas que passavam pela rua.
“Não sei o que pedir/ Se tudo o que desejo é paz/ Que culpa tenho eu/ Se tudo se perdeu”, falava Mário “Zorongo’. “De repente cansei de tudo aquilo e viajei para São Paulo. O `Ninho das Águias` tinha sido demolido e em seu lugar ergueram um enorme prédio residencial. A casinha da moça de shortinho também desaparecera. A maior parte dos que haviam imigrado para lá voltara para casa. Todos, menos um, que morrera num incêndio, do Joelma ou do Andraus, não me lembro. Ouvia a música no ar. E eu estava ali e feliz da vida, pois ela é feita de momentos...E tenho uma bela história para contar ao lado de Antonieta, a mulher de lindas pernas”, disse e cochilou por entre copos, maços de cigarros e garrafas vazias...

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Um tesouro mais que maravilhoso



Pedro Coimbra

            O francês GamalielChantal nem bem pisou as terras brasileiras tomou duas atitudes: descobrir como encontrar uma expedição que o levasse para o Campo dos Goitacás e marcar com a lâmina o rosto do sujeito que o chamou de “Pintarroxo”.
            A segunda mostrou-se totalmente ineficaz, pois nunca mais se livrou do apelido que detestava motivado por uma enorme mancha sanguínea no lado direito da face.
            Tantas fez que acabou, depois de muitas andanças,no Planalto de São Paulo onde se engajou na bandeira de Fernão Dias Paes Leme.
            Começou então a mostrar suas qualidades de fidalgo sempre ao lado dos poderosos, principalmente os religiosos que acompanhavam a expedição.
            Ficou conhecido como comprador do ouro e dos diamantes que aos poucos eram encontrados.
            Enquanto os portugueses e os “brasileiros” aniquilavam os selvagens que encontravam, fez amizade com eles, o que lhe garantia facilidade de mantimentos em suas aventuras.
            Foi quando construiu, com toda sua inventividade, sua primeira igreja, na verdade uma capela, num ermodo Caminho Velho.
            Passou então a ser procurado e transformou-se num grande edificador de templos, cuja fama ia além da Província.
            Mas, continuava com seus negócios mais ou menos escusos, com aqueles homens que escavavam o chão a procura da fortuna.
            Tudo que amealhava colocava numa grande caixa de madeira de lei que todos denominavam como a “Arca” e que ele levava nas suas andanças, sempre debaixo do seu olhar de coruja, que tudo percebe.
            Um belo dia foi chamado para os Campos do Senhor, apesar de em vida ser um grande herege.
            Não se soube mais de sua “Arca” repleta de riquezas.
            Começou então a lenda do tesouro de Pintarroxo, desaparecido em terras tão estranhas e pelo qual muitos homens e mulheres entregaram sua vida.
            Anos depois, em Guapé, cidadezinha de Minas Gerais, José Militão, um auxiliar de topógrafo veio a conhecer a história e apaixonou-se por ela e enfou na cabeça encontrar a herança do francês GamalielChantal.
            Por esse sonho abandonou posses e a família, tudo o que muitas vezes parecia impossível e de outras muito real.
            Tantas fez o mineiro rude e xucro que acabou encontrando aIgreja de São José dos Pobres, última obra do galego.
            O lugar já havia sido escavado e esquadrinhado por todos os cantos por diversos aventureiros.
            Foi então que Militãoideiou que o tesouro talvez não estivesse guardado numa arca de madeira, uma grande caixa, mas num pequeno relicário, mais fácil de ser escondido.
            Numa tarde de uma sexta-feira descobriu o que procurava assentado em dos pilares da igreja. Ávido por riquezas abriu-o e só encontrou folhas manuscritas.
Nelas o “Pintarroxo” dizia ter devolvido para as profundezas o ouro e as pedras preciosas, guardando apenas um tesouro mais que maravilhoso, o seu amor a Deus.
            José Militão, o Zé Doido, como hoje é conhecido, maltrapilho e macerado, pregando as riquezas do Reino pode ser encontradoperdido pelas cidades e arraias de  Minas Gerais...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Uma história de arrepiar


Pedro Coimbra

            Valdomiro aproveitou que a mãe dormia e colocou de qualquer jeito algumas peças de roupa numa velha mala de papelão e amarrou com um cinto já gasto, sem fivela.
            Despediu-se de Dona Clô com um olhar e saiu do casebre.
            Andando rápido dirigiu-se para a Estação Ferroviária e tomou o noturno para Barra Mansa. De lá pegou carona numa carreta e logo avistou o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa dos seus sonhos.
            O dono de um botequim indicou-lhe um pardieiro para se hospedar.
            Começou a bater perna procurando um emprego, mas logo viu que não seria fácil.
            Meio desiludido passou a fazer uma coisa que estremeceria Dona Clô, tomando pinga pura ou com limão em diversos bares  ou botequins.
            Sentia-se sozinho no mundo, já que seus planos de ganhar bem e voltar realizado para casa não se realizavam.
            Sentia pavor só em pensar em retornar para a casinhola de Dona Clô e confessar que furtara o suado dinheirinho que ela ganhava lavando malas e malas de roupas para freguesas selecionadas.
            “Todo este sofrimento teria que ter fim um dia”, pensava.
            E foi o que lhe aconteceu. Em uma praça encontrou Epaminondas, um homem gorducho, de cabelos louros, calva avançada, óculos de armação arredondada e dentes bastantes estragados.
            Era mineiro também,havia publicado um livro com seus próprios recursos e viera para a cidade grande tentar a sorte em uma editora.
            Não conseguiu nada e acabou tornando-se vendedor de um sistema de loteria popular.
            - Não tem nada com o jogo de bicho -  ele advertiu para o recém amigo que já chamava de Miro.
            Levou-o a morar num pequeno apartamento na Galeria Alaska, em Copacabana.
            Agitado ensinou-lhe todos os macetes para passar os possíveis compradores para trás.
            - Os cariocas pensam que são muito espertos e aí está sua fraqueza – afirmava.
            Miro começou a trabalhar com afinco e logo passava o professor para trás.
            No apartamento observava Epaminondas, que muitas vezes trazia rapazinhos para seu quarto, demonstrando que não gostava de mulheres.
            Nestes momentos, por um acordo tácito, Miro saia para a galeria e suas tentadoras boates e inferninhos.
            Numa delas encontrou Iracema, uma morena de cabelos longos, lisos e negros, emoldurando um corpo escultural.
            Miro estava tão chapado, pois já bebera muito, que não notou nenhuma diferença na mulher, por quem se apaixonou perdidamente.
            Epaminondas não gostou nem um pouco quando ele lhe disse que iria sair do apartamento e morar com Iracema.
            Sua decepção maior ocorreu dias depois quando soube que ele abandonara o emprego na loteria popular.
            Em 13 de agosto de 1965, uma data que para Miro parecia meio azarada, ele e Iracema, partiram para Belo Horizonte, em um retorno que nem mesmo ele não conseguia explicar.
            De maneira muito rápida Iracema tornou-se o grande sucesso da zona boêmia da Capital das Alterosas, queridinha de políticos e até mesmo de coronéis do Norte de Minas que vinham conferir sua fama.
            Miro ficava todas as noites pelos botequins, se embriagando, e demonstrando uma certa tristeza com tudo que lhe acontecia.
            Escreve uma carta para Epaminondas com uma única e enigmática frase: “ O que tiver de ser, será”.
            Três meses depois da chegada triunfal a Belo Horizonte, Iracema e Miro desapareceram do hotel e da vida noturna.
            Por um destes casos raros, um repórter investigativo do jornal “Estado de Minas”, começou a procurá-los e publicar o que apurava em doses homeopáticas.
            Uma semana após o corpo de uma mulher, com as características de Iracema, mas esquartejado, foi encontrado em uma mala jogada no Arrudas.
            A necropsia indicou que Iracema não era mulher. Apesar de todos os atributos femininos era um homem.
            Delegado Dirceu, presidente do inquérito, recebeu uma carta de Miro em que ele confessava seu amor por Iracema e dizia que de repente ela se transformara em um vampiro.
            “E os vampiros não tem sexo. E nos sugam tudo o que temos de bom”, dizia.
            Miro foi preso no começo de 1966, no casebre de Dona Clô, sua mãe, transformado num farrapo de homem, como narrou de forma um tanto quanto poética o Delegado Dirceu.
            O Valdomiro cuja ambição era melhorar de vida morreu no Manicômio Judicial, onde diziam que tinha pesadelos horrorosos com Iracema e vampiros...
            O romance “Uma história de arrepiar” tornou-se o grande sucesso de Epaminondas que o dedicou a seu amigo Miro.
             

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Apoema, o conquistador e seu fim


Pedro Coimbra

                Nem mesmo seu nome, Apoema, as pessoas sabiam se havia recebido na pia batismal ou era mera invenção. Jairinho G., o melhor contador de “causos” da corruptela de Vai-quem-pode dizia que o conhecera quando era um faz de tudo nas fazendas e casas do arraia. Jurava então, pela Santa Virgem, que naquele tempo há muito passado, ele se chamava Antônio Serapião.
                A lenda contava que um dia tivera uma visão da Santa Virgem, em pleno Sol do meio dia e ela o encarregara de uma grande missão na terra, de arrebanhar homens, mulheres e crianças para uma nova vida.
                Jairinho G. finalizava sua história dizendo que na verdade Antônio Serapião, levou um tombaço na entrada da Gruta do Cachorro Doido e quando levou do chão, a testa sangrando, já era Apoema, que significa aquele que vê mais longe.
                Arranjou uma espécie de túnica branca e com uma imagem da Santa Virgem debaixo do braço começou a pregar por seca e Meca, dizendo que era um enviado para arrebanhar o povo de Deus e encaminhá-lo no propósito do bem.
                Em uma terra que tomou posse, Apoema, que era um excelente pedreiro, começou a erguer uma grandiosa construção. Aos que lhe perguntavam o que era aquilo, dizia ser o Castelo do Reino Encantado.
                - E sabem vocês quem era o Rei daquele lugar? – perguntava Jairinho G. aos que ouviam E respondia com um sorriso no canto da boca: Apoema, Primeiro e Único.
                Apoema interpretava ao seu modo as poucas linhas que se lembrava das Escrituras Sagradas. Nas suas andanças aumentava seus acólitos que o procuram a pé, a cavalo ou em carros de boi, vindos de lugares longínquos, muito além da Serra do Carrapato.
                Na região havia poucos religiosos e ele que não concordava com nenhum deles acabou por expulsar padres e freis, passando as igrejinhas e capelinhas a fazerem parte do seu Reino Encantado.
                Não satisfeito, Apoema, que já possuía muito poder e muitos acompanhantes, se voltou contra o poder temporal, colocando-se contra os representantes legislativos, executivos e judiciário do local. Por tal feito acabou tendo que enfrentar os milicos enviados. Venceu-os em sucessivas batalhas, as quais ele mesmo dava suas denominações, como a da “Luta contra os demônios”.
                As autoridades da capital acabaram por achar de melhor alvitre não gastar pólvora com aquele visionário perdido no fim do mundo e o esqueceram. Rei Apoema mudou o nome de Vai-quem-pode para cidade Presidente.
                - Qual Presidente? - sua corte quis saber.
                Cortando as unhas encravada dos pés Apoema que seria o do momento.
                Vivia no castelo, acompanhado de duques e viscondes, gente muito simples que levava pros quatros cantos sua mensagem do fim do mundo e da necessidade de purgar todos os pecados. Varão feroz coabitava com várias mulheres com quem mantinha grande prole. Tornou-se também um grande proprietário.
                - Mas diga- nos, Jairinho G. como foi o fim de Apoema? – perguntavam as pessoas.
                - A ignorância provoca o fim de quem as gera – afirmou o contador de histórias.
                Segundo ele, sem que Apoema soubesse, os grandões da capital armaram contra ele uma grande armadilha. Seu palácio do Reino Encantado tornou-se um estorvo a construção de uma ferrovia.
                - Mas ele não resistiu? - perguntavam todos.
                - O máximo que pode – dizia Jairinho G. – mas acabou vencido. Quando dinamitaram aquela estranha construção, um pedaço da torre desabou sobre sua cabeça. Seu corpo levaram para bem longe e os que o seguiam desapareceram de uma hora para outra.
                Sentado na porta do botequim o homem parecia em outra dimensão.
                - Ficou a saudade de Apoema e o Reino Encantado – finalizava.
                - Por que Jairinho G.? – os circunstante perguntavam.
                - Porque depois que Apoema e seu Reino Encantado desapareceram todos compreenderam que, com todos os defeitos, a covardia e falta de liberdade aquele foi um tempo melhor do que hoje aí está, desta tal democracia, porque o ele era um homem bom...

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Maiores são os poderes do povo



Pedro Coimbra
            A primeira constatação é que o ser humano é um animal que não consegue sobreviver por si só. Somos dependentes dos outros desde sempre. Assim estes recém nascidos que são abandonados por todos os lados, segundo a mídia, geralmente estão fadados a terem perdidas suas possibilidades de sobrevivência.
            Vencida, porém esta etapa inicial num  país de miseráveis, somos levados a crer naquela definição do filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre, criador do existencialismo: “Ser homem é tender a ser Deus; ou, se preferirmos, o homem é fundamentalmente o desejo de ser Deus”. Ou seja, ser livre na Natureza, como deve ser a divindade.
            Como necessitamos nos organizar em sociedade procuramos regimes mais próximos da sonho da liberdade. E ocorre que pretendemos viver na democracia, originária da palavra grega “demos” que significa povo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo. Todo o poder para o povo e pelo povo...
            Na Páscoa, estava zapeando na televisão e dei de cara com os momentos finais de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, filme do baiano Glauber Rocha e que sempre me fascinou.
            Glauber Rocha teria hoje seus 72 anos e era o mais autêntico intelectual brasileiro. Com seu sotaque dizia-se marxista, mas tinha todas as características de um verdadeiro anarquista, apesar da formação protestante.
            Apaixonado pelo cinema e pela possibilidade de fazê-lo num país subdesenvolvido como o Brasil em 1957 filma O Pátio, seu primeiro curta-metragem influenciado pelo concretismo. Em 1959 filma o curta-metragem  inacabado Cruz na Praça. Em 1960 assume a direção de Barravento,  seu primeiro longa-metragem, premiado em Karlovy Vary.
Em 1963, em Lavras, tomo contato com suas idéias através do livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro e surge o Cinema Novo que ganha visibilidade internacional.
Em 1964 acontece o Golpe Militar no Brasil, durante viagem de Glauber Rocha ao Festival de Cannes para exibir Deus e o Diabo na Terra do Sol , seu filme-revelação. Em 1965 lança o manifesto A Estética da Fome  com as bases estéticas e políticas do Cinema Novo, sendo preso num protesto contra o regime militar no Rio de Janeiro, no Hotel Glória. Filma o curta-metragem Amazonas  Em 1966 assume uma de suas posições estranhas e filma o curta Maranhão 66, que documenta a vitória de José Sarney para governador. Realiza em 1967 o longa-metragem Terra em Transe, apresentado no Festival de Cannes. O filme é proibido no Brasil e se torna o manifesto de uma geração. Escreve os textos: A Revolução é uma Eztetyka; Teoria e Prática do Cinema Latino-Americano; Revolução Cinematográfica e Tricontinental.
Em 1969 viaja à Europa para exibir O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro  no Festival de Cannes 69 que lhe daria o prêmio de melhor diretor e que é fotografado pelo meu amigo Afonso Beato.
Viaja para a Catalunha em 1970 onde filma Cabezas Cortadas. Monta o curta Câncer, filmado em 68  Em 1974 polemiza ao declarar que o general Golbery do Couto e Silva, militar nacionalista,  é um dos "gênios da raça". Em Roma, conclui História do Brasil. Ali, em 1975, filma Claro, com Juliet Berto. Filma em 1976 o velório do pintor Di Cavalcanti, premiado em Cannes, sob protesto da família. O filme está proibido até hoje.
Em 1978 filma A Idade da Terra em Salvador, Brasília e Rio de Janeiro. Escreve para vários jornais, provocando polêmicas e reações. Inicia o programa Abertura, na TV Tupi, em que faz entrevistas com grande repercussão e inventa uma linguagem própria. Participa em 1980 do Festival de Veneza com Idade da Terra . O filme, um dos mais radicais como linguagem, gera polêmicas em Veneza e é mal recebido no Brasil. Morre no dia 22 de agosto e é velado no Parque Lage, cenário de Terra em Transe, em meio a grande comoção e exaltação.
            Em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, o personagem Corisco (Othon Bastos) já crivado de balas por Antônio da Mortes (Maurício do Vale) grita quase morrendo: “Maiores são os poderes do povo”.
            Acreditei e sonhei com esta idéia do desgrenhado Glauber Rocha por muito tempo, até que vieram as Diretas-Já e a redemocratização do Brasil continuou nas mãos da classe dominante.
            Por isso o baiano com suas idéias estranhas faz muita falta hoje em dia, onde a política parece um insípido sanduíche fast-food...

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sombras do passado na minha memória



Pedro Coimbra


Todas as vezes que ligo meu computador uma figura pouco definida se forma como plano de fundo da área de trabalho. Cabelos partidos ao meio, um vetusto bigode e um pequeno defeito no olho esquerdo, suponho. Um homem com uma idade indefinida, próximo dos quarenta anos. É meu avô materno, o alfaiate Pedro Coimbra.
Encontrei a imagem na árvore genealógica familiar que minha prima Rejane, filha do meu tio e padrinho João Coimbra, resolveu elaborar e outro primo, o Dario, me encaminhou. Neste rascunho estão outras fotos de minha mãe Maria, que os familiares apelidaram de Bilia, das tias Teda e Marli.
De tudo isso tomei conhecimento rapidamente, pois não tive tempo de verificar as ferramentas do site. Quero fazê-lo logo já que essas informações muitas vezes desaparecem como aconteceu com a dos meus ancestrais paternos.
Conheci muito pouco meus avôs, pois na minha infância morávamos em Governador Valadares, bem longe de Lavras.
De qualquer forma a custo das histórias familiares contadas sabia que “seu” Pedro Coimbra viera da pequena Tiradentes, aprender o ofício de alfaiate, onde acabou por progredir e se tornar proprietário de um grande estabelecimento.
Segundo as lendas familiares, convivendo ali com a nata da política lavrense, dividida entre “rolinhas” e “gaviões”, acabou avalizando um fazendeiro que não honrou suas dívidas. Acresce-se a isso a mudança do corte dos ternos e uma doença que começou precocemente a atingir sua memória. O profissional dono de uma chácara no centro da cidade, com um carro dirigido pelo Nôre, motorista, acabou para a vida real...
Com dificuldades alguns filhos foram formando e nunca mais ele tocou numa tesoura para exercer sua profissão.
Tive contato com ele no final de sua vida, fumando um cachimbo, trabalhando uma hortinha e todas as noites colando os ouvidos num rádio colocado em uma cantoneira, ouvindo a “Voz do Brasil” e o “Repórter Esso”. Nestes instantes Dario, Celeste e eu tínhamos que parar a nossa bagunça barulhenta pela casa.
Tudo o que sei sobre meu xará é muita pouco para traçar mesmo uma pequena biografia, pois não tenho nenhuma notícia de sua família. Minha mãe dizia que na entrada de Tiradentes havia um casarão com um dístico “ABC”, que vinha ser as iniciais de Antonio Batista Coimbra, meu bisavô. Até alguns anos atrás quando lá estive por lá o casarão e as letras de alvenaria ainda existiam. Conheci um mecânico que fazia parte da família. Em Araxá minha mãe dizia que moravam parentes. Não me lembro deles.
Por que Pedro Coimbra saiu de Tiradentes e veio parar em Lavras, e depois se casou com Dona Nair, filha do “seu” João Barbosa, conceituado boticário de Nepomuceno, não sei. O nome correto de seus pais e irmãos também desconheço. Veio a procura de novas oportunidades? Ou foi a desilusão de um grande amor?
Espero que um dia possamos saber mais de sua vida para entendermos um pouco mais da nossa.
Até lá tenho que percorrer as ladeiras e igrejas de Tiradentes para materializar estas sombras do passado na minha memória...

sexta-feira, 4 de março de 2011

Sua última chance


Pedro Coimbra


Lidinho, um presepeiro de marca maior e grande frasista era quem melhor definia o Distrito de Pau de Ferro, “um lugar maravilhoso, localizado no final da linha do trem, sempre coberto por uma nuvem de um pó vermelho que gruda nas coisas e na gente e não sai nunca mais”.
Ninguém sabia explicar por que os libaneses que vieram para trabalhar nas lavouras de café começaram a mascatear, ganharam dinheiro e construíram pequenos sobrados na rua principal do lugarejo, sendo chamados de forma geral como turcos.
“O Líbano tem uma arquitetura linda e aqui eles construíram estes caixotinhos”, dizia Lidinho enquanto saboreava uma cerveja.
Pau de Ferro tinha coisas e pessoas bem estranhas, todos nós concordávamos. Um deles era Cori, com sua barba espessa, tronco avantajado e sempre uma enxada nos ombros. “Parece um troglodita”, afirmava Lidinho e aproveitava a deixa para explicar para a turminha o que isso significava. Ele morava num sobradinho abandonado no Alto da Quaresmeira e num local em que todos se conheciam ninguém podia dizer qual era sua família.
“Cori sempre viveu jogado no mundo e nem mesmo sabe onde nasceu e como veio parar aqui”, dizia Lidinho.
Falava muito pouco, quase nada, mas era reconhecido como homem trabalhador. Grande capinador de hortas, excelente para limpar uma caixa de gordura e todos esses serviços que a maior parte das pessoas não aceitavam fazer.
Final do dia marchava para a Serra do Capote onde cuidava com todo o capricho de uma grande plantação de arnica, consumida em toda a região, como um grande e santo remédio para todos os males.
Sua rotina só era quebrada no Domingo de Carnaval quando cobria o rosto com uma pesada maquiagem e colocava um vestido de chita, onde sobressaiam grandes peitões. Era o dia dos homens da cidade se travestirem e sair pelas ruas cantando no “Bloco das Domésticas do Prazer”. “Esta mulher/ Há muito tempo me provoca/ Dá nela! Dá nela!/É perigosa/Fala mais que pata choca/Dá nela! Dá nela! “
Na Quarta-Feira de Cinzas, Cori, era o primeiro a puxar a fila diante do Padre. “Era homem mesmo. Tinha um montão de filhos na região”, assegurava Lidinho. E a vida voltava ao normal naquele final de mundo…
Mas, no Carnaval de 54 um fato escabroso abalou toda a população. Lucinha, uma garota loura de 13 anos apareceu morta e violentada justo na cultura de arnica da Serra do Capote. A notícia chegou célere até a capital graças ao radiotelegrafista Dario.
A Secretaria de Segurança Pública enviou o Delegado Romão e dois investigadores, cada um com seu interesse particular, bem diferente do elucidamento  do crime.
“Em pouco tempo descobriram que os suspeitos eram filhos de ricos fazendeiros da região, o que era uma verdade incômoda”, contava Lidinho.
Delegado Romão mandou prender o suspeito ideal, Cori, e pessoalmente resolveu interrogá-lo com muita pancadaria.
“Mas o homem não confessava o crime. Foi quando Delegado Romão colocou um trezoitão na boca de Cori e lhe disse que era sua última chance”, dramatizava Lidinho.
Se todos nós temos nossa hora aquela não era a de Cori, pois no instante que o gatilho ia ser puxado, o Delegado Romão caiu morto, vitimado por um fulminante ataque de coração.
“Cori saiu da cela sozinho, o corpo do Delegado Romão foi transportado para a Capital num vagão especial, os filhos dos fazendeiros nunca mais foram vistos nas redondezas  e o crime perdeu-se na memória dos habitantes”, diz Lidinho.
Cori voltou ao seu cotidiano e continuou desfilando no “Bloco das Domésticas do Prazer” até que com o tempo a brincadeira de momo acabou no Distrito de Pau de Ferro, como em muitos outros lugares…

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O sol a cada dia nos convida a recomeçar


Pedro Coimbra

Num final de semana de muito calor, com notícias que não cessam das tragédias das enchentes, ligo a televisão e deparo com um tal de Aílton Corrêa Arruda, “hablando portunhol”. Demoro a perceber que é a versão encarquilhada do goleiro Manga que defendeu o Sport Recife, o Botafogo de Futebol e Regatas, o “clube da estrela solitária”, o Nacional do Uruguai. Depois Manga defendeu o Internacional de Porto Alegre, o Coritiba, e o Grêmio Portoalegrense. Terminou sua carreira no Barcelona de Guiaquil, no Equador. Então se transferiu para os Estados Unidos, e sumiu. Um grande goleiro que acabou se transformando num dos maiores protagonistas do folclore do futebol brasileiro, com histórias como aquela do comentarista e técnico João Saldanha o perseguindo com uma arma na mão...
Esta seria uma boa história para puxar uma conversa com meu cunhado, Nélson Carvalho, de cuja morte vim a saber via um traiçoeiro telefone celular, no início da tarde da segunda-feira. Doze anos mais velho do que eu sempre foi um bom companheiro, meio calado, tranqüilo, tomando sua cervejinha, ouvindo suas óperas e músicas italianas. Num tempo em que as pessoas davam mais valor as relações familiares, fui padrinho de batismo de seu filho Gilson e ele, por sua vez, anos depois, do meu filho Ricardo.
Quando o conheci morávamos na rua Barbosa Lima e ele, descendente de duas famílias tradicionais, os Carvalho e os Romaniello, na rua Tiradentes, bem pertinho. Gostava muito de futebol de salão, que era uma versão incipiente do futsal de hoje e que ele jogava muito bem. Ele e Sueli, minha irmã, formaram um par perfeito, iam todas as noites ao cinema e eu acabava pegando uma carona nesta forma de namoro de antanho.
Mário de Carvalho, seu pai, era radio técnico e piloto de aviões. Sua mãe, Dona Nair uma legitima filha de italianos e “mamma” convicta de uma turma de crianças de todas as idades. Ambos adoravam festas, o que representava um diferencial com relação ao “seu” Renato e Dona Maria, meus pais, o que para mim foi muito importante.
Nélson, na vida profissional, sempre dedicado ao comércio de peças de carros, era fruto de uma política empresarial de Maurício Zackia, que tinha por norma transformar seus empregados em parceiros. Começou no Posto Maurício, daí foi para a Casa de Peças Maurício e finalmente a Auto Pec, que continuou com a Sueli e os filhos Gilson e Mário Renato. De simples empregado a empresário de sucesso...
Falava pouco mesmo e era capaz de passar anos sem dar as caras no centro da cidade. Tenho excelentes lembranças do nosso convívio pessoal, quando ele e a Sueli foram morar na antiga casa da minha Vó Nair, abaixo da residência dos meus pais. Chegava da rua e ia direto para lá, assistir vídeos tapes de jogos de futebol narrados por Walther Abrahão, na antiga TV Tupi. Tornamo-nos “experts” no futebol paulista. Um grande momento em 1965, quando o Estádio Magalhães Pinto, o “Mineirão” foi inaugurado e fomos até lá assistir o jogo entre Seleção Mineira e Santos. Nossa previsão era que Pelé e companhia triturassem os mineiros. Aconteceu exatamente o contrário...Esqueci de dizer que depois que o futebol se globalizou, o Nélson se tornou cada vez mais cruzeirense.
Hoje me lembro de muitas histórias que participamos. Ele trabalhando com suas fichas de controle e Mário de Mattos, Cabeção e eu conversando ao seu lado. Um bom amigo que mais tarde transferiu seu carinho para minha mulher Eudóxia, com quem adorava papear..
Arrependo-me de poucos dias antes, na correria cotidiana, ter passado pela sua loja, vê-lo sentado no degrau da porta de entrada e não ter parado para um dedo de prosa.
A título de consolo nos disseram que meu amigo partiu desta existência para outra melhor docemente, dormindo. Na verdade acredito que a vida que Deus nos deu é tão importante no Universo que deixá-la é sempre difícil. O melhor é imaginar que onde ele estiver, onde estivermos o sol a cada dia nos convida a recomeçar...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Você se lembra de quando Esperança foi embora?


Pedro Coimbra


            A turma estava no Barzinho do Toinzinho jogando sinuca quando o ônibus da “Mardita”, que era como foi apelidado, aproximou-se, os freios cantando e debaixo de uma nuvem negra que saía do escapamento.
            Geralmente só desciam no ponto moradores da corruptela que tinham saído para fazer compras em Sant´Ana ou procurar os serviços médicos em outros locais.
            Mas desta vez desceu uma loura esbelta, de vestido enfeitado e o motorista mal encarado, retirou várias malas do bagageiro.
            Esperando alguém sentou-se num banco e cruzou as pernas roliças enquanto calmamente retocava o batom vermelho nos lábios.
            Apareceu então Godofredo, “seu” Godô, suando por todos os poros e se dirigiu até a mulher.
            - Acabou o mistério – disse Paulinho e todos concordaram.
            “Seu” Godô era reconhecido como uma espécie de “gerente” e faz tudo da “Taça de Ouro”, a mais famosa casa de tolerância da região.
            Imitação de um castelinho alemão ficava no alto de um morro por detrás do cemitério, num lugar bem isolado e suas luzes vermelhas na portaria eram vistas até alta madrugada.
            O lugar era freqüentado por gente abonada, principalmente fazendeiros e comerciantes que apareciam vindos de todos os cantos nos finais de semana.
            O poeta P,R. dizia com a boca cheia que ali se reunia a fina flor das Gerais enquanto sorvia sua enésima cerveja casco escuro.
            Ninguém sabia de onde a Esperança viera, mas começaram a inventar histórias sobre sua vida.
            A mais acreditada dizia que era viúva de um comandante da Nacional Vias Aéreas, morto por Antônio, um português amásio dela.
            A verdade é que ela transformou o ambiente do “Taça de Ouro” e os homens entravam ali e depois não queriam mais sair.
            Foi ela quem inventou os pequenos shows onde as mulheres valorizavam seus corpos em performances públicas.
            - No Rio de Janeiro isso chama-se “strip-tease” – confidenciou para Paulinho, seu companheiro de horas perdidas.
            Mas seu acompanhante de todos os dias era o Tabelião Onésimo, que usava sobretudo de lã e chapéu Prada.
            De repente começou a correr um boato que sua mulher, Dona Assunção estava a frente de um abaixo assinado solicitando o fechamento do estabelecimento e a expulsão das mulheres de vida fácil.
            Como as autoridades não se pronunciavam um bando de mulheres ensandecidas, lideradas por Dona Assunção, que até mesmo barba tinha, subiram o morro e invadiram o castelinho.
            Os homens correram até mesmo pelados para a matinha e Esperança e suas companheiras apanharam muito do grupo de beatas e sacripantas..
            Depois as colocaram todas na “Mardita” e as enviaram com o que sobrou das roupas do corpo, para um destino ignorado.
            Nas barbas de “seu” Godô atearam fogo no “Taça de Ouro” e suas memórias.
            Paulinho nunca se esqueceu daquele Ano Novo, quando a Esperança foi embora para sempre da cidade...