terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O sol a cada dia nos convida a recomeçar


Pedro Coimbra

Num final de semana de muito calor, com notícias que não cessam das tragédias das enchentes, ligo a televisão e deparo com um tal de Aílton Corrêa Arruda, “hablando portunhol”. Demoro a perceber que é a versão encarquilhada do goleiro Manga que defendeu o Sport Recife, o Botafogo de Futebol e Regatas, o “clube da estrela solitária”, o Nacional do Uruguai. Depois Manga defendeu o Internacional de Porto Alegre, o Coritiba, e o Grêmio Portoalegrense. Terminou sua carreira no Barcelona de Guiaquil, no Equador. Então se transferiu para os Estados Unidos, e sumiu. Um grande goleiro que acabou se transformando num dos maiores protagonistas do folclore do futebol brasileiro, com histórias como aquela do comentarista e técnico João Saldanha o perseguindo com uma arma na mão...
Esta seria uma boa história para puxar uma conversa com meu cunhado, Nélson Carvalho, de cuja morte vim a saber via um traiçoeiro telefone celular, no início da tarde da segunda-feira. Doze anos mais velho do que eu sempre foi um bom companheiro, meio calado, tranqüilo, tomando sua cervejinha, ouvindo suas óperas e músicas italianas. Num tempo em que as pessoas davam mais valor as relações familiares, fui padrinho de batismo de seu filho Gilson e ele, por sua vez, anos depois, do meu filho Ricardo.
Quando o conheci morávamos na rua Barbosa Lima e ele, descendente de duas famílias tradicionais, os Carvalho e os Romaniello, na rua Tiradentes, bem pertinho. Gostava muito de futebol de salão, que era uma versão incipiente do futsal de hoje e que ele jogava muito bem. Ele e Sueli, minha irmã, formaram um par perfeito, iam todas as noites ao cinema e eu acabava pegando uma carona nesta forma de namoro de antanho.
Mário de Carvalho, seu pai, era radio técnico e piloto de aviões. Sua mãe, Dona Nair uma legitima filha de italianos e “mamma” convicta de uma turma de crianças de todas as idades. Ambos adoravam festas, o que representava um diferencial com relação ao “seu” Renato e Dona Maria, meus pais, o que para mim foi muito importante.
Nélson, na vida profissional, sempre dedicado ao comércio de peças de carros, era fruto de uma política empresarial de Maurício Zackia, que tinha por norma transformar seus empregados em parceiros. Começou no Posto Maurício, daí foi para a Casa de Peças Maurício e finalmente a Auto Pec, que continuou com a Sueli e os filhos Gilson e Mário Renato. De simples empregado a empresário de sucesso...
Falava pouco mesmo e era capaz de passar anos sem dar as caras no centro da cidade. Tenho excelentes lembranças do nosso convívio pessoal, quando ele e a Sueli foram morar na antiga casa da minha Vó Nair, abaixo da residência dos meus pais. Chegava da rua e ia direto para lá, assistir vídeos tapes de jogos de futebol narrados por Walther Abrahão, na antiga TV Tupi. Tornamo-nos “experts” no futebol paulista. Um grande momento em 1965, quando o Estádio Magalhães Pinto, o “Mineirão” foi inaugurado e fomos até lá assistir o jogo entre Seleção Mineira e Santos. Nossa previsão era que Pelé e companhia triturassem os mineiros. Aconteceu exatamente o contrário...Esqueci de dizer que depois que o futebol se globalizou, o Nélson se tornou cada vez mais cruzeirense.
Hoje me lembro de muitas histórias que participamos. Ele trabalhando com suas fichas de controle e Mário de Mattos, Cabeção e eu conversando ao seu lado. Um bom amigo que mais tarde transferiu seu carinho para minha mulher Eudóxia, com quem adorava papear..
Arrependo-me de poucos dias antes, na correria cotidiana, ter passado pela sua loja, vê-lo sentado no degrau da porta de entrada e não ter parado para um dedo de prosa.
A título de consolo nos disseram que meu amigo partiu desta existência para outra melhor docemente, dormindo. Na verdade acredito que a vida que Deus nos deu é tão importante no Universo que deixá-la é sempre difícil. O melhor é imaginar que onde ele estiver, onde estivermos o sol a cada dia nos convida a recomeçar...

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