terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Você se lembra de quando Esperança foi embora?


Pedro Coimbra


            A turma estava no Barzinho do Toinzinho jogando sinuca quando o ônibus da “Mardita”, que era como foi apelidado, aproximou-se, os freios cantando e debaixo de uma nuvem negra que saía do escapamento.
            Geralmente só desciam no ponto moradores da corruptela que tinham saído para fazer compras em Sant´Ana ou procurar os serviços médicos em outros locais.
            Mas desta vez desceu uma loura esbelta, de vestido enfeitado e o motorista mal encarado, retirou várias malas do bagageiro.
            Esperando alguém sentou-se num banco e cruzou as pernas roliças enquanto calmamente retocava o batom vermelho nos lábios.
            Apareceu então Godofredo, “seu” Godô, suando por todos os poros e se dirigiu até a mulher.
            - Acabou o mistério – disse Paulinho e todos concordaram.
            “Seu” Godô era reconhecido como uma espécie de “gerente” e faz tudo da “Taça de Ouro”, a mais famosa casa de tolerância da região.
            Imitação de um castelinho alemão ficava no alto de um morro por detrás do cemitério, num lugar bem isolado e suas luzes vermelhas na portaria eram vistas até alta madrugada.
            O lugar era freqüentado por gente abonada, principalmente fazendeiros e comerciantes que apareciam vindos de todos os cantos nos finais de semana.
            O poeta P,R. dizia com a boca cheia que ali se reunia a fina flor das Gerais enquanto sorvia sua enésima cerveja casco escuro.
            Ninguém sabia de onde a Esperança viera, mas começaram a inventar histórias sobre sua vida.
            A mais acreditada dizia que era viúva de um comandante da Nacional Vias Aéreas, morto por Antônio, um português amásio dela.
            A verdade é que ela transformou o ambiente do “Taça de Ouro” e os homens entravam ali e depois não queriam mais sair.
            Foi ela quem inventou os pequenos shows onde as mulheres valorizavam seus corpos em performances públicas.
            - No Rio de Janeiro isso chama-se “strip-tease” – confidenciou para Paulinho, seu companheiro de horas perdidas.
            Mas seu acompanhante de todos os dias era o Tabelião Onésimo, que usava sobretudo de lã e chapéu Prada.
            De repente começou a correr um boato que sua mulher, Dona Assunção estava a frente de um abaixo assinado solicitando o fechamento do estabelecimento e a expulsão das mulheres de vida fácil.
            Como as autoridades não se pronunciavam um bando de mulheres ensandecidas, lideradas por Dona Assunção, que até mesmo barba tinha, subiram o morro e invadiram o castelinho.
            Os homens correram até mesmo pelados para a matinha e Esperança e suas companheiras apanharam muito do grupo de beatas e sacripantas..
            Depois as colocaram todas na “Mardita” e as enviaram com o que sobrou das roupas do corpo, para um destino ignorado.
            Nas barbas de “seu” Godô atearam fogo no “Taça de Ouro” e suas memórias.
            Paulinho nunca se esqueceu daquele Ano Novo, quando a Esperança foi embora para sempre da cidade...

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