segunda-feira, 2 de maio de 2011

Maiores são os poderes do povo



Pedro Coimbra
            A primeira constatação é que o ser humano é um animal que não consegue sobreviver por si só. Somos dependentes dos outros desde sempre. Assim estes recém nascidos que são abandonados por todos os lados, segundo a mídia, geralmente estão fadados a terem perdidas suas possibilidades de sobrevivência.
            Vencida, porém esta etapa inicial num  país de miseráveis, somos levados a crer naquela definição do filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre, criador do existencialismo: “Ser homem é tender a ser Deus; ou, se preferirmos, o homem é fundamentalmente o desejo de ser Deus”. Ou seja, ser livre na Natureza, como deve ser a divindade.
            Como necessitamos nos organizar em sociedade procuramos regimes mais próximos da sonho da liberdade. E ocorre que pretendemos viver na democracia, originária da palavra grega “demos” que significa povo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo. Todo o poder para o povo e pelo povo...
            Na Páscoa, estava zapeando na televisão e dei de cara com os momentos finais de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, filme do baiano Glauber Rocha e que sempre me fascinou.
            Glauber Rocha teria hoje seus 72 anos e era o mais autêntico intelectual brasileiro. Com seu sotaque dizia-se marxista, mas tinha todas as características de um verdadeiro anarquista, apesar da formação protestante.
            Apaixonado pelo cinema e pela possibilidade de fazê-lo num país subdesenvolvido como o Brasil em 1957 filma O Pátio, seu primeiro curta-metragem influenciado pelo concretismo. Em 1959 filma o curta-metragem  inacabado Cruz na Praça. Em 1960 assume a direção de Barravento,  seu primeiro longa-metragem, premiado em Karlovy Vary.
Em 1963, em Lavras, tomo contato com suas idéias através do livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro e surge o Cinema Novo que ganha visibilidade internacional.
Em 1964 acontece o Golpe Militar no Brasil, durante viagem de Glauber Rocha ao Festival de Cannes para exibir Deus e o Diabo na Terra do Sol , seu filme-revelação. Em 1965 lança o manifesto A Estética da Fome  com as bases estéticas e políticas do Cinema Novo, sendo preso num protesto contra o regime militar no Rio de Janeiro, no Hotel Glória. Filma o curta-metragem Amazonas  Em 1966 assume uma de suas posições estranhas e filma o curta Maranhão 66, que documenta a vitória de José Sarney para governador. Realiza em 1967 o longa-metragem Terra em Transe, apresentado no Festival de Cannes. O filme é proibido no Brasil e se torna o manifesto de uma geração. Escreve os textos: A Revolução é uma Eztetyka; Teoria e Prática do Cinema Latino-Americano; Revolução Cinematográfica e Tricontinental.
Em 1969 viaja à Europa para exibir O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro  no Festival de Cannes 69 que lhe daria o prêmio de melhor diretor e que é fotografado pelo meu amigo Afonso Beato.
Viaja para a Catalunha em 1970 onde filma Cabezas Cortadas. Monta o curta Câncer, filmado em 68  Em 1974 polemiza ao declarar que o general Golbery do Couto e Silva, militar nacionalista,  é um dos "gênios da raça". Em Roma, conclui História do Brasil. Ali, em 1975, filma Claro, com Juliet Berto. Filma em 1976 o velório do pintor Di Cavalcanti, premiado em Cannes, sob protesto da família. O filme está proibido até hoje.
Em 1978 filma A Idade da Terra em Salvador, Brasília e Rio de Janeiro. Escreve para vários jornais, provocando polêmicas e reações. Inicia o programa Abertura, na TV Tupi, em que faz entrevistas com grande repercussão e inventa uma linguagem própria. Participa em 1980 do Festival de Veneza com Idade da Terra . O filme, um dos mais radicais como linguagem, gera polêmicas em Veneza e é mal recebido no Brasil. Morre no dia 22 de agosto e é velado no Parque Lage, cenário de Terra em Transe, em meio a grande comoção e exaltação.
            Em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, o personagem Corisco (Othon Bastos) já crivado de balas por Antônio da Mortes (Maurício do Vale) grita quase morrendo: “Maiores são os poderes do povo”.
            Acreditei e sonhei com esta idéia do desgrenhado Glauber Rocha por muito tempo, até que vieram as Diretas-Já e a redemocratização do Brasil continuou nas mãos da classe dominante.
            Por isso o baiano com suas idéias estranhas faz muita falta hoje em dia, onde a política parece um insípido sanduíche fast-food...