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No meu compêndio de Ciências estava escrito, e eu decorei, que o Corpo Humano dividia-se em cabeça, tronco e membros.
A meninada vivia quebrando ou fraturando os membros na traquinagem.
Acabavam com talas de bambu, cobertas por grossas camadas de gesso. Se o profissional fosse bom de serviço não haveria problema. Caso contrário seguiam a vida inteira com braços ou pernas tortas.
Mais tarde aprendi que a pele era o maior dos órgãos do nosso organismo e que só nela existiam mais de 2500 doenças catalogadas.
Outros órgãos para nós eram de pouca valia, a não ser o tal fígado que chiava quando enchíamos a cara com bebidas alcoólicas mais ou menos finas.
O cérebro que se alojava dentro do crânio comandava todos os sistemas, até mesmo o coração, que se caracterizava como um músculo poderoso, fonte vital da vida.
Do cérebro aprendíamos muito pouco e passávamos longe das sinapses que se caracterizavam por fazer a transmissão de um impulso nervoso de um neurônio para outro, e que podiam ser químicas ou na sua grande maioria, elétricas.
Explicava-se também pouco que nosso sistema fonador não era especializado para a fala, mas sim para funções vitais como mastigar, engolir, respirar ou cheirar e que com a necessidade da comunicação o homem “descobriu” primeiramente a possibilidade de produzir sons com significado e logo depois o canto.
De todas estas coisas que aprendemos aos pouquinhos via difusão médica a que mais estranhou foi saber que nossa morte e o nosso renascimento se iniciava na própria concepção e continuava com uma incessante substituição de células velhas ou “estragadas” até o último minuto de nossa presença no Planeta Azul.
Dia desses fui visitar uma jovem amiga que há mais de sessenta dias luta para sair de próximo a uma UTI e retornar a sua vida normal, seus alunos, suas batucadas.
Detesto hospitais, seu odor, suas pinturas, mas fui visitá-la.
Abri a porta e logo a vi deitada numa cama, de olhos abertos, ligada à tubulação de oxigênio, defronte uma tevê.
Entrei no seu campo de visão, mas ela não demonstrou estar me vendo.
Foi então que senti uma voz diferente, sair do meu corpo e dirigir-se até o dela, desejando suas melhoras.
Um espaço de tempo pequeno que pareceu durar toda uma eternidade.
Antes que sua acompanhante saísse do banheiro onde se encontrava, senti uma verdadeira comunhão com o sofrimento daquela minha irmã que precisava se restabelecer e voltar a nos dar sua alegria, por mais difícil que isto fosse.
Ao sair do quarto, descer o elevador e pelo hall de entrada atingir a rua, fiquei a pensar no que me ocorrera naqueles poucos minutos.
Poderia ter orado pela sua volta a esta nossa dimensão.
Ou ter deixado extravasar um sentimento qualquer, de dó, piedade ou comiseração.
Entendi que apesar de não abrir em nenhum minuto os meus lábios, deixara sair do meu corpo até o dela a minha voz do coração...
Uma voz que não depende do aparelho fonador e nem mesmo do coração, pois vem de dentro do nosso corpo como uma energia indescritível.
Mal comparando é como os resultados da adrenalina nos esportes radicais.
Que o pouco tempo que passei ao lado da jovem doente lhe tenha sido tão benéfico como foi para mim.