Pedro Coimbra
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Márcio pediu a sua enésima Brahma ao Ademar, dono do “Bar Cisne” e ficou olhando para a moreninha de cabelos cacheados, nariz arrebitado, decote exagerado, sentada a sua frente e que não parava de falar.
Havia se assentado naquela mesa no começo da tarde, morto de fome e pedira um frango assado na “vitrine de cachorro”.
- É o mais saboroso da cidade – disse a moreninha e sem ser convidada refestelou-se em uma das cadeiras vazias à mesa, servindo-se de cerveja e saboreando uma asinha do frango.
Ele pensou que ela não precisava lhe dizer isso, pois freqüentava aquele botequim muito antes de se mudar para Beagá. Chamava-se então “Bar Recreio”, o dono era o Mauro e era bem mais simpleszinho. Naquela época vivia da mesada do pai e não poderia beber nem um pouco daquelas muitas cervejas .
Fosse um dia normal e não se importaria com a presença da moreninha pegando no seu pé.
Mas, aquele era um dia especial. Era Natal...O primeiro Natal longe de Linda...
No último Natal estava com ela no apartamento de um amigo, na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Fazia um calor infernal, o apartamento parecia uma caixa de fósforos de tão pequeno e acabaram avisando aos outros que iriam até o Sendas, antes que fechasse, comprar algumas coisas para ceia.
Lá fora caía uma chuva forte que molhou nossos corpos e lavou nossas almas de toda a poluição humana..
Ela sabia o quanto eu era rude, um brutamonte com diploma e me falou nos ouvidos que o Natal significava não só o nascimento do Menino Jesus, mas o nosso renascimento e das nossas esperanças...
Era uma mulher profundamente espiritualizada e que tinha convicções arraigadas sobre o sentido e o propósito da vida.
Compramos algumas comidinhas próprias da época, ela escolheu um bom vinho chileno, uma pequena caixeta de uvas e uma boa porção de rabanada, que eu detestava.
Na portaria do prédio uma sombra na escuridão moveu-se na nossa direção.
Atento, preparei-me para o ataque de um assaltante vindo do Morro Santa Martha ou de um pedinte mais audacioso.
Para minha surpresa era um garotinho de pouco mais de oito anos, de cara suja, olhos brilhantes, enrolado em um cobertor maltrapilho.
- Moça. Ajudem a gente a comer! – disse com voz rouca.
Como sempre acontecia, nem mesmo tive tempo de raciocinar e Linda tomou-me as sacolas das mãos e entregou-as ao pivete.
- Obrigado pelo Natal! – ele gritou sorrindo e correndo sumiu na escuridão.
Fazia bastante tempo que Linda esse vale de lágrimas, mas não podia esquecer seu desprendimento e amor fraterno aos seres humanos.
Levantou-se cambaleante, abraçou e beijou a moreninha, agradecido por sua companhia.
- Obrigado pelo Natal...-disse finalmente.