segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Fantasmas batem a minha porta

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br

Recebo um e-mail de uma leitora que me pergunta, um tanto assustada, se o “Sete Orelhas”, para alguns um facínora mais cruel que Lampeão, citado por mim num texto recente, seria um dos descendentes de sua família...
Em outra oportunidade uma bonita mulher quer que lhe narre fatos do passado que envolvem sua família...
Aviso a todos que não sou historiador e não passo de um escrevinhador de meia tigela...
A primeira vez que tomei conhecimento que história não era apenas debruçar no passado e decorar datas e nomes foi antes de 1964, quando meu amigo José Márcio Carvalho (Tenório) me apresentou os trabalhos de Nélson Werneck Sodré, cuja originalidade foi ter unido a carreira militar, na qual chegou a general-de-brigada, à formação como sociólogo e historiador de orientação marxista e que de uma forma realística, para muitos jocosa, revisitava fatos e personagens do passado, que eram exaltados nos compêndios escolares.
Mais tarde, no Colégio Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais passávamos horas a dissecar acontecimentos de antanho, com a preocupação de dissecá-los sobre uma ótica em que as fontes orais não deviam ser utilizadas isoladamente, mas complementadas por outras fontes, preocupações do cenário socioeconômico, etc.
Mas, e afinal de contas, lembranças do passado, como ficam?
Padre Sérgio, sacerdote, guru e outras “coisitas más”, nos anos 60, entregava aos deprimidos que o procuravam no Colégio Aparecida de Lavras, uma receita de autoestima, numa tirinha de papel, com sua própria caligrafia.
Até pouco tempo guardava a minha, que dizia: “O passado passou. Vivo o presente alegre e satisfeito. O futuro a Deus pertence.”.
Enfrentar o dia a dia, ultrapassar as barreiras que surgem a cada momento da nossa vida, não se entregar ao pessimismo e nem ao desespero, era o maior conselho implícito.
E acreditem, funcionava melhor do que qualquer antidepressivo!
Faria apenas um acréscimo no que tange ao futuro, pois ele não só a Deus pertence como depende fundamentalmente de nossas ações e da nossa determinação.
Sendo assim nos debruçamos nos tempos idos como exemplo das atitudes boas e ruins que podemos tomar como exemplo.
Já foi dito, com muita propriedade, da dificuldade de criarmos qualquer obra artística, a partir do nada.
Agora mesmo trabalho no texto de um romance que junta fantasmas que batem a minha porta, fazem minha noites serem mal dormidas e me atazanam a todo momento.
Muitos reconhecerão familiares seus na trama que engendrei e que na verdade fazem parte do nosso inconsciente coletivo.
Mas, pensar no que já passou não faz mal a ninguém...
Como gostar de futebol sem lembrar dos craques de antigamente?
Discutir política de hoje desconhecendo a de ontem?
Admirar as belas mulheres de hoje sem lembrar dos brotinhos de um tempo que já se foi?
Felizmente para meus trabalhos guardo um repositório de histórias, desde dramas comezinhos até grandes epopéias domésticas.
Confesso aos leitores que ando com uma lente a tiracolo pesquisando fatos e personalidades para usá-las em meus textos.
E não me esqueço nunca de uma frase do sempre atual Albert Einstein, que diz: "A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O doce caminho da perdição

Em Quebra-quebra, corrutela perdida nos pés da Pirambeira, Cotinha nasceu debaixo de um ipê amarelo, na escuridão de uma noite de temporal.

Mãe Joana não sabia nem mesmo quem era seu pai porque abria as pernas para qualquer homem do lugarejo por qualquer tutaméia.

Moravam num casebre a beira do ribeirão dos Borges, com a criançada amontoada em dois cômodos.

Cresceu olhando as estrelas no céu, os passarinhos nos seus ninhos nas árvores e vez por outra, pescando lambaris do rabo vermelho no “bosteiro”, lugar ode mais gostavam de ficar.

Duas coisas Mãe Joana sabia fazer bem: filhos e quitandas deliciosas.

As mulheres dos fazendeiros apareciam sem avisar, traziam roupas velhas para todos e os modos para fazer as receitas que queriam.

- Só você sabe fazer igual – diziam para Mãe Joana.

Muito mansa ela colocava tudo em cima de uma porta colocada a modo de mesa: farinha de trigo, açúcar, manteiga, ovos, sal, fermento para pão, leite, óleo, amido de milho.

Só não providenciavam os limões que havia muito na matinha.

Marcavam com ela uma hora pra vir buscar, pegavam suas camionetes e desapareciam na estrada da Mina.

Mãe Joana, que vivia choramingando pelos cantos, abraçada a um velho retrato, mudava o jeito de ser, se alegrava e punha mãos na massa.

Tocava pra fora as crianças que teimavam em mexer nas coisas, lambendo o açúcar.

Ia fazendo e me ensinando, com muita paciência.

“Pegue aquela gamela, Cotinha. Esfarele o fermento e junte o sal. Misture até virar uma aguinha. Deixe pra lá. Ponha a farinha de trigo, reserve um pouco, o açúcar, as gemas, a manteiga e o fermento separado misturado com o leite que tá nessa latinha.. Mexa tudo, Cotinha, com uma colher de pau. Misture bem, batendo com carinho, em cima dessa tábua. De vez em quando jogue um pouco de farinha. Agora esqueça de tudo por um tempo”.

Em outros tempos, Mãe Joana morara na cidade e fora uma cozinheira de fama, diziam as mulheres dos fazendeiros quando apareciam.

Ninguém sabia por que abandonara tudo e se enfurnara naquele buraco. Era seu grande segredo.

“ Cotinha, limpe as mãos e abra a massa. Desenhe seus sonhos com esse cortador redondo que está dependurado na parede. Ponha nesta lata polvilhada com farinha. Tampe com aquele pano e não se lembre mais, para crescer. Pegue aquela frigideira e frite em óleo, nem muito quente, nem muito frio.. Deixe o óleo sair. Ponha o recheio. Passe pelo açúcar."

Então vinha a parte que Cotinha mais gostava que era fazer o creme.

“ Ponha o leite e guarde um pouquinho, o açúcar, o amido de milho dissolvido com o leite separado e as gemas levemente batidas. Deixe cozinhar até engrossar.Tire do fogo e ponha as raspas de limão. Mexa.”

Cotinha também achava os sonhos de Mãe Joana os mais formosos que havia.

Findado o trabalho ela agarrava de novo o retrato e se acocorava debaixo de uma mangueira.

Um dia Cotinha a procurou e achou-a caída no chão: vomitava sem parar, molhava as roupas e tremia muito.

Não passou muito tempo e morreu, nos braços da filha.

Os homens de Quebra-quebra chamaram a polícia e um detetive, um tal de França, disse que ela morrera envenenada com chumbinho.

Deixou três coisas para Cotinha: a filharada, o retrato em preto e branco e os sonhos...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Todas as homenagens deveriam ser em vida

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br

Numa noite de domingo fui assistir uma celebração, um tributo de amigos e artistas a uma nonagenária que morrera de forma trágica e só então tivera desvendada uma vida cheia de aventuras e charme.
Pensava nessas homenagens tardias e no ator, diretor e produtor Anselmo Duarte que morrera aos 89 anos de idade.
Ele faz parte das minhas lembranças acompanhando as filmagens de “A Madona de Cedro”, de Carlos Coimbra, em Congonhas do Campo, graças ao Padre Massote, da Escola Superior de Cinema da Universidade Católica que emprestara duas câmeras “modernas” Arriflex para a produção. Isso nos idos de 68...
Baseado na obra homônima de Antonio Callado, o filme conta a história de Delfino, um homem pacato que vive em Congonhas do Campo, pequena e histórica cidade no estado de Minas Gerais. Mas, instigado pelos amigos, ele é levado a roubar de uma igreja a imagem Madona de Cedro, um valiosa escultura do século 18 esculpida por Aleijadinho.
Carlos Coimbra, que não era meu parente, foi um artesão, tentando fazer um cinema popular, sem grandes preocupações com a atualização da linguagem cinematográfica. A antítese do cinema novo...
Mas “A Madona de Cedro” era uma grande produção, com um elenco formado por Leonardo Villar, Leila Diniz, Anselmo Duarte, Sérgio Cardoso, Cleyde Yáconis, Jofre Soares, Leonor Navarro, Américo Taricano e Zbigniew Ziembinski. O mais fino da dramaturgia brasileira e a melhor equipe técnica. Quase todos já estrelando filmes nos céus...
Nas vezes que recontei histórias desse episódio me fixei na paixão de Leila Diniz pelo violonista Toquinho e que atrasavam o cronograma de filmagens quando os dois se trancavam por um final de semana em um apartamento do hotel, por ser mais interessante e charmosa.
Andando por todas as locações das filmagens, sempre ao lado de Aníbal Massaini, então um jovem produtor, encontrávamos com o co-produtor e ator Anselmo Duarte, simpático e falante.
Ele que conquistara a Palma de Ouro, em Cannes, com “O pagador de promessas” gostava de dizer que inventara o Cinema Novo, quando seus desafetos diziam que só ganhara de “O anjo exterminador”, de Buñuel, graças aos interesses da Motion Pictures..
Mas, Gláuber Rocha, guru do cinema brasileiro, era seu amigo, confidente e admirador...
Contava histórias e mais histórias, suas façanhas do passado, sonhando com os filmes que ainda realizaria, ele que era um ícone do cinema brasileiro, desde o tempo que ajudava o irmão Alfredo, projecionista de Salto, no interior de São Paulo, passando pelos inúmeros papéis de galã na Atlândida...
Como ator, tem um outro grande desempenho em “O caso dos Irmãos Naves”, em que faz o papel de um violento tenente da polícia mineira, dirigido por Luís Sérgio Person, que era uma “avis rara” do cinema novo em São Paulo.
A vida aventurosa de Anselmo Duarte começou com sua ida para o Rio de Janeiro, em 1942, atraído por um anúncio de jornal do diretor Orson Welles selecionando pessoas para participar do filme “It's All True”, uma lenda e que não foi finalizado, mas marca então a sua estréia no cinema.
E como um bom filme com começo, meio e fim sua história termina onde tudo começou.
Breve, tenho certeza, teremos uma enxurrada de obras sobre Anselmo Duarte nas livrarias e na “telinha”...
Mas, continuo a pensar que todas as homenagens deveriam ser em vida...

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um novo olhar

Apesar de experiências ditas pré-históricas a fotografia mesmo surgiu no verão de 1826, na França, através do inventor e litógrafo francês Joseph Nicéphore Niépce e dois anos depois com Louis Daguerre, de Paris, que mostrou seu interesse em gravar imagens. Em 1829, tornaram-se sócios, mas Niépce morre em 1833.
Em 7 de janeiro de 1839, Louis Daguerre comunica à Academia Francesa de Ciências um processo que originava as fotografias ou os daguerreótipos que eram imagens impressas em lâminas de vidro, sendo que alguns exemplares delas podem ser vistos no Museu Bi Moreira, em Lavras.
Começou então o grande sucesso da fotografia que tornou-se uma teconologia em ascensão.
Homens estranhos, com verdadeiras trapizongas nos ombros começaram a registrar imagens, a princípio no ar livre e logo a seguir em estúdios improvisados, utilizando-se da iluminação de magnésio.
Até então a fotografia era considerada por muitos uma atividade ligada a magia, capaz de apreender a alma das pessoas e muitos se opunham a se expor as lentes primitivas.
Mas foi em 1988 que o norte-americano George Eastman deu um caráter industrial ao invento e popularizou a fotografia com a câmera Kodak., leve e fácil de usar. Com a vantagem de poderem as fotos serem processadas em um laboratório profissional.
Como o sistema era muito eficiente o homem passava a contar com uma visão própria das coisas do mundo, independente da interpretação do estilo dos pintores.
No final da década de 50, minha irmã Sueli conseguiu seu primeiro emprego e surgiu em nossa casa com um caixotinho, uma máquina fotográfica Kapsa, de fabricação brasileira, mas bem eficiente. que lhe permitiu formar álbuns de flagrantes de sua juventude. E me deixar cada vez mais curioso com os mistérios da fotografia.
Aos poucos fui entendendo que aqueles aparelhos maravilhosos, as câmeras Pentax, Canon, Nikon e outras que eram nosso objeto de desejo podiam além de registrar momentos únicos, ser capazes de permitir várias interpretações do cotidiano.
Foi o tempo de admirar e estudar as composições do francês Henry Cartier-Bresson, que criou paulatinamente uma nova linguagem.
Depois disso enfrentei a fase da necessidade de conhecer todas as técnicas de laboratório e os melhores equipamentos.
E uma visão estética de tudo que se poderia fotografar.
Junto com Maurício Andrés Ribeiros, um talentoso fotografo, e outros amigos acabei evoluindo para o cinema, a imagem em movimento.
Mas a evolução tecnológica e industrial não para e com o desenvolvimento da eletrônica surgiu a fotografia digital.
E como era um método seguro, sem muitos detalhes, barato, de captar imagens acabou banalizando-se.
Hoje eu que me recusei a participar dessa mania globalizada capitulei e ando por todos os cantos com uma maquininha digital que resolve meus problemas imediatos.
Porém não abandonei as idéias de Henry Cartier-Bresson:
"A fotografia por si só não me interessa, mas a reportagem sim, a comunicação entre o mundo e o homem com este instrumento maravilhoso do tamanho da mão que nos faz passar desapercebidos. E assim participamos. É uma dança entende? É uma grande alegria fotografar assim".
Pois é preciso sempre lançar um novo olhar em derredor de nós e esquecer de nossos umbigos...