Pedro Coimbra
Acompanhava meu amigo Eduardo Lacerda numa quinta-feira, 23
de agosto de 1968, na minha única visita a Ouro Preto, para a fundação de um cineclube. Estávamos
sentados em um barzinho com um pessoal da Universidade bebendo cerveja e cuba
livre. Quando de um alto falante distante começou a sair a voz de Vicente
Celestino, cantando o “O ébrio” e depois “Coração materno”. Morrera aos 73 anos o tenor que cantava: “
Disse o campônio a sua amada/Minha
idolatrada diga o que queres?/Por ti vou matar, vou roubar/Embora tristezas me
causes mulher/Provar quero eu que te quero”. Na minha casa este disco tocara na
vitrola da minha mãe até gastar. E menino ainda eu assistira o filme o “O
Ébrio” dirigido por sua esposa Gilda de Abreu e estrelado por ele.
Sofia, uma das moças
sentada ao meu lado, passava suas longas pernas nas minhas, me bolinando. Ela
era filha de alemães, seu pai era pintor e muito conhecido na cidade. Parecia
ter somente dois assuntos na sua linda cabecinha: sexo e relembrar das cenas de
cenas de "Hiroshima mon amour" e "L'année dernière
à Marienbad", de Alain Resnais que assistira em Belo Horizonte, na Imprensa Oficial. Lembro-me
que ela tinha cabelos muito negros, compridos, um rosto lindo e quando dizia
“mon amour”, fazia uma boca sensual.
O
projeto de reativar ou fundar cineclubes nas cidades do interior foi uma das
melhores ações do movimento do cinema novo mineiro. Mas tinha uma logística
complicada. O filme, sempre em 16mm, era alugado e tinha que ser enviado para
as cidades. No começo deu tudo certo. Até o dia que não me foi possível enviar
as latas pelo ônibus para minha cidade natal. Os dirigentes locais se desesperaram
e acabaram por exibir um filme do Tarzan e da Jane, o que assustou minha tia
Milita, adepta dos filmes de arte.
Sempre
tive um relacionamento estranho com a cidade de Ouro Preto: paixão e
distanciamento. Acabei indo lá poucas vezes, mas mesmo assim, Maurício Andrés Ribeiro
e eu, fizemos um belo cartaz, baseado em uma foto em alto contraste, que foi
premiado. Por sinal, nunca vi a peça depois de finalizado.
Em
1968, enquanto procurávamos difundir a sétima arte o mundo já estava de cabeça
baixo. Principalmente no exterior, marcado pela rebeldia dos estudantes na Europa,
potencializado em maio de 1968, o que influenciou a juventude brasileira.. O
golpe de 1964, ao contrário do que se pensava endurecia cada vez mais. O
autoritarismo cresceu e se firmou no dia 13 de dezembro de 1968, com a
decretação do AI-5, lido na voz grave do locutor Alberto Curi, a Voz do Brasil,
irmão do narrador esportivo Jorge Curi e do cantor Ivon Curi, nascidos em
Caxambu. As perseguições advindas desta ação da direita inviabilizaria todas as
ações populares e estudantis no país.
Mas,
naquele dia em Ouro Preto, nem a morte de Vicente Celestino, que nos emocionou
a todos, foi capaz de nos entristecer. Minha grande preocupação era as pernas
de Sofia roçando nas minhas, seus seios empinados e sua boquinha articulando
“mon amour”. Afinal de contas começávamos um tempo de liberdade total, do amor
livre, da liberação das drogas e do
surgimento do amor livre.
Acabei
a noite com uma moreninha de Ubá, estudante de Geologia, que me arrastou para
sua república.
A
visão de Sofia, a gringuinha saliente, desapareceu na madrugada escura da
memória, como também todos os absurdos gerados pelo Golpe de 1964...
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