quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A boa e a má sorte de cada um



Pedro Coimbra




Quem não viveu na década de 50 talvez não possa avaliar como o Brasil era pobre, bem longe do consumismo de hoje.

Classe média não existia e as pessoas eram simplesmente divididas em poderosos proprietários rurais e os pobres.

Deslocávamos de uma cidade para outra em prosaicas Maria Fumaças, as mulheres com redinhas na cabeça e os homens de guarda pó para evitar a fuligem das fagulhas.

Dois tios meus, o João Pádua e o Renato Coimbra, eram bem de vida como se dizia e proprietários de carros importados. Pretos. É claro.

Mas quando passávamos pela Praça Sete em Belo Horizonte, mamãe fazia questão de comprar um ou dois bilhetes da rifa de deslumbrantes e coloridos Cadillacs que nunca eram sorteados, evidentemente.

O conceito de sorte, faz parte da vida dos menos favorecidos através de amuletos, como ferraduras de cavalo, trevos de quatro folhas, e confundi-se muitas vezes com forças sobrenaturais. As pessoas já nasceriam com boa ou má sorte.

Nesta época o rádio era o sucesso do momento para todos e o teatro rebolado. o “hit” dos políticos e eninheirados do Rio de Janeiro, Capital da República.

Foi quando surgiu uma revista que se definia pelo próprio título: Escândalo.
Dirigida por Freddy Daltro, pseudônimo do jornalista Nilson Risardi, sua especialidade era as matérias sensacionalistas sobre os artistas.

Então, no dia 17 de junho de 1952, soube-se que Freddy Daltro fora seqüestrado e torturado, só não morrendo por circunstâncias próprias da vida, depois de ser espancado e enterrado na areia da praia..



Nunca se soube quem resolvera eliminar o jornalista difamador. Apenas que tivera muita sorte em sobreviver.
Anos depois nos arredores de Belo Horizonte, Bruno, Macarrão e Coxinha formam uma turma muito unida, solidária na falta de recurso e com relacionamentos familiares estranhos.
Mas Bruno consegue vencer os problemas da vida e com muito talento e sorte torna-se um goleiro famoso.
Ganha muito direito, compra muitas propriedades, continua junto com os amigos Macarrão e Coxinha e anda com lindas mulheres que os amigos denominam de namoradas, amantes e noivas, em orgias sem fim.
Mas, uma delas, Eliza Samúdio, sai dos limites estabelecidos e desaparece.
Para a Polícia foi simplesmente morta pelos asseclas de Bruno.
Vão todos parar na cadeia e fica uma dúvida: Se fosse inocentado Bruno voltaria a jogar num grande clube de futebol?
Má sorte ou boa sorte do goleiro Bruno que pelo andar da carruagem acabaria em outras encrencas.
Na verdade esta é a representação da boa e a má sorte de cada um....
Afinal de contas a boa sorte não é pra qualquer um.

A rua e a moça do piano


Pedro Coimbra


Houve um tempo, que já vai longe, em que não se dava nomes aos logradouros, ruas, avenidas e praças, de pessoas que haviam partido deste mundo para um melhor, mas de flores e outros fatos corriqueiros na vila de 901 casas.
´ E assim que o educador Firmino Costa, na sua “História de Lavras” lista as ruas existentes no começo do século: do Cruzeiro, da Pedreira, Alta, Soledade, Umbela, Novo Século, Passa Vinte, Nova, Direita, Santo Antônio, da Esperança, Bela Vista, do Calvário, Dona Inácia, das Mercês, do Fogo, do Instituto , do Córrego, das Flores, Caetano Machado e Veneza. Mais as travessas da Misericórdia, de Santo Antônio, do Rosário, Dr. Costa Pinto, Municipal, de Sant´Ana e das Mercês.
O mesmo historia diz que a rua do Fogo era assim denominada pois ali viviam famílias de brigões.
Sou apaixonado por essa rua do Fogo desde que retornamos para Lavras e fui morar na rua Sant´Ana. Naquela época, no final da rua, que já foi apelidada de “Vieira Souto de Lavras” não havia a ligação com a rua Firmino Sales e moravam famílias abastadas.
Com o tempo comprei e reformei um casa no começo da rua hoje denominada de Bernardino Macieira, um paisagista que era pai da minha tia Maria Emília e que dentre outras criou o perfil da atual Praça Dr. Augusto Silva.
Um enfermeiro de um laboratório que colhe material para exame a domicílio me advertiu que a denominação agora ia mudar pelo grande número de viúvas que aqui existiam.
Isso não me assusta. Preocupa si a possibilidade de um vereador tresloucado mudar o novamente o nome.
Seria com certeza mais um problema para os carteiros e entregadores.
O que me assusta agora é o silêncio tenebroso na rua, onde raramente se vê crianças brincando pela rua.
Aliás o silêncio não é total pois um prefeito “sabichão” desviou para cá o trânsito dos ônibus intermunicipais.

De qualquer maneira gosto de me sentir meio dono da rua do Fogo, como deve ter acontecido com meu tio Maurício Ornelas, o “seu” Alcides da Metrópole, o Martinho Sena, o Serginho, o “seu” Leônidas, o Gibinha, o João Oscar, o Ernani Alves e outros mais.
Ouço um som de piano ao entardecer. Tenho certeza que não é um CD, não se trata de música eletrônica, é música ao vivo.

Quando era adolescente o Instituto Gammon mantinha no térreo do Martha Roberts uma espécie de Conservatório Musical e uma das professoras era a Dona Cecília Veiga. Ali vi estudando a Georgette Mansur e levavam anos para se formar.

Mas, quem dedilha o teclado de um piano maravilhoso na rua do Fogo?

O piano é um instrumento derivado dos antigos cravos, e quando bem tocado chega a ter uma sonoridade angelical.
Sei da dificuldade para tirar os sons daqueles martelos que batem sobre cordas porque era incapaz de fazer qualquer melodia numa flautinha com talo de mamona como fazia o Luciano Carvalho.

Hoje em dia aquele que pretender aprender a tocar o instrumento terá bastantes dificuldades, a começar pelo preço exorbitante do instrumento.

Tanto procurei que encontrei esta musicista às escondidas.

É a Luciana, professora no Gammon, filha do Mauro Ferreira, parente da minha mulher e meu vizinho.

Não precisava mesmo nem ser uma virtuose ao piano, com sua beleza e seus lindos olhos claros.

Sou incapaz de identificar os autores das músicas que executa, mas qualquer dia tomo coragem e peço que interprete “Ticket to Ride”, dos Beatles.

Até lá a Luciana pode encher de melodia a rua do Fogo com o que o seu sentimento musical mandar….


sábado, 2 de outubro de 2010

A santa que nunca foi santa


Pedro Coimbra


Ela nasceu em uma grande fazenda denominada Segredo, nas fraldas da Serra do Carrapato. As terras de seu pai, Coronel Anselmo, se perdiam de vista, num suceder de vales, planícies e montes. Dedicadas à mineração, à criação de gado e ao plantio de café as propriedades só prosperavam.
Aos pés de uma árvore de óleo balsamo ele ergueu um enorme casarão, adequado ao seu poderio. No andar superior os cômodos familiares, uma grande sala, a copa e a cozinha. Nos porões alojavam-se os escravos sempre escolhidos como muito cuidado nos leilões e trazidos para trabalhar diante do maior rigor.
Coronel Anselmo era considerado pelas cercanias um homem mau, que abusava das negras e vivia a fazer malvadezas com os negrinhos. Era pai de seis filhas e a última delas era Lia, que nasceu fora do tempo e foi criada no meio dos grandes seios de uma mulher que os brancos chamavam Maria e os negros de Yao.
Era uma menininha de cabelos alourados e encaracolados, com uma perna definhada, que andava pelos cantos do casarão, ensimesmada.
Naquela época as revoltas dos escravos, principalmente dos que viviam do trabalho na mineração eram comuns em todas as Vilas e lugarejos. Foi o que aconteceu na Fazenda Segredo numa noite sem lua. Os escravos fugiram das senzalas, mataram o Coronel Anselmo, seus familiares e incendiaram o casarão.
Só Sá Lia escapou no que foi considerado seu primeiro milagre. Andou por entre as barricas de sal que os revoltosos haviam espalhado pelo chão para que nada mais surgisse naquele lugar amaldiçoado. Pouco a pouco foi aprendendo a sobreviver de raízes que encontrava e de insetos.
Depois sentava-se num tronco, coberta de andrajos e punha-se a murmurar ladainhas ininteligíveis. As negras escravas trazidas por Yao, saiam de um quilombo formado nas cercanias e entregavam os seus rebentos para serem curados das doenças do dia a dia.
Seu segundo grande milagre foi tirar das mãos dos capitães do mato e dos aventureiros franceses um líder negro do quilombo chamado Belisário. Diziam que Sá Lia o salvara voando por cima do acampamento.
Um padre alemão, Cônego Francisco, condoído com sua vida sofrida a levou para morar na sua casa na Vila e colocou-a a fazer trabalhos domésticos e cuidar das coisas da Igreja. Mesmo assim filas de formavam as suas portas para que benzesse as pessoas de todos os males.
Numa missa vespertina aconteceu seu grande milagre, pelo qual seria para sempre lembrada. No momento da comunhão vários fiéis testemunharam que cascatas de sangue jorraram sobre sua cabeça. Deixou de ser Sá Lia e passou a ser denominada Santa Lia, sobre cuja cabeça caiam constantemente pétalas de rosa branca.
Cônego Francisco, a quem toda aquela movimentação desagradava muitas vezes acabou por construir uma capelinha no alto de um morro e um casebre para abrigar Santa Lia. Ela viveu por muitos anos e despediu-se deste Vale de Lágrimas já centenária, nos braços da multidão.
Os anos se passaram e muito antes das autoridades eclesiásticas determinarem um processo de santificação que todos os fiéis ansiavam, um advogado e jornalista, Jacinto Melo, que escrevia num jornal da capital, resolveu investigar a vida de Santa Lia.
Seu artigo repercutiu como uma bomba a começar pela manchete: “A santa que nunca foi santa”. Dissecava cada um dos milagres a ela atribuídos, a começar pelo de sua salvação quando da revolta dos escravos que tudo dizimaram. A garotinha fora acordada pela negra Yao e se escondera numa arca de jacarandá até o morticínio acabar. Não conhecia nenhuma oração especial e seus murmúrios continham palavras desconexas. Não levara pelos ares Belisário que saiu de sua prisão mercê de muitas mortes de seus companheiros. O grande milagre ocorreu num dia que a igreja estava vazia, com o Cônego Francisco e mais duas beatas. As versões para o fato eram contraditórias e o sacerdote nunca aceitou que algo sobrenatural houvesse acontecido. Ao contrário do que podia parecer Santa Lia tinha muitas ligações com os grupos políticos que dominavam a região...
A grande revelação do jornalista era que tivera acesso a cartas que Cônego Francisco deixara ao morrer, que comprovavam sua situação de amásio de Sá Lia, que resultou em pelo menos três rebentos.
Jacinto Melo foi execrado e sumiu na história, sendo que muitos atribuíam sua morte prematura a “aquela doença ruim”.
Para Santa Lia não ouve processo de beatificação ou santificação, mas até hoje, centena de milhares de devotos peregrinam até a sua capela...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A sinfonia da Vida


Pedro Coimbra

Passados anos todos nós temos certeza que o amor de Maria e João não terminou como um samba de uma nota só, mas numa extraordinária sinfonia da Vida.
Tudo começou entre beijos e abraços que os levaram a excitação, com muitas mudanças biológicas. O grande momento ocorreu quando João atingiu o auge das contrações musculares lançando sêmem do pênis dentro da vagina de Maria e que por suas contrações vão até sua cérvix.
Depositado o sêmem na base do útero começa a louca corrida da existência humana, visando fertilizar o óvulo, o que pode durar de 12 a 48 horas, antes que os espermatozóides morram. Enfrentarão várias barreiras como a travessia do cérvix, convivendo com um meio aquoso que os agride.
Verdadeiros alpinistas eles sobem pela superfície interna do útero até as trompas de Falópio, sendo que apenas uma contém um óvulo e muitos deles vão para o lugar errado.. Menos de mil espermatozóides, entre milhões, conseguem chegar até as trompas.
Muitos deles ficam ao redor do óvulo na trompa. A cabeça de cada um libera enzimas que quebram a camada gelatinosa externa da membrana do óvulo, tentando penetrar nele. No momento em que um único espermatozóide penetra, a membrana muda suas características elétricas.
Termina a corrida e começa um maravilhoso processo, que durará nove meses, em que informações genéticas irão propiciar o surgimento de um outro indivíduo diferente que sobreviverá num útero que poderá chegar ao tamanho de um bola de basquete.
Nesse momento mágico do surgimento da vida os gregos, filosoficamente, diziam que surgia a alma ou espírito, entidade a que se atribuíam, por necessidade de um princípio de unificação, as características essenciais à vida, do nível orgânico às manifestações mais diferenciadas da sensibilidade e ao pensamento, e que se define em oposição a corpo estando associadas à consideração da idéia de alma as questões da imortalidade, da personalidade, da individualidade, da consciência, etc., com todas as implicações morais, religiosas e metafísicas que elas suscitam.
Ou seja, a partir desse instante estaria definido o sexo, a cor dos olhos e mais do que isso todos aqueles atributos que aquele ser humano desenvolveria no futuro.
Esta pequena alma/espírito nasceria no Planeta Terra para evoluir, ou seja, desenvolver, progredir. A sensacional divisão de células ocorrida naquele momento continuaria por toda a sua vida até o minuto final de sua morte.
João e Maria poderiam ter outros filhos, mas cada um deles teria sua própria individualidade.
O escritor Paulo Coelho analisa o sentido da vida de uma maneira simples e interessante:”A vida é como uma corrida de bicicleta,
cuja meta é cumprir a Lenda Pessoal.Na largada,estamos  juntos,
compartilhando camaradagem e entusiasmo. Mas, à medida que a corrida se desenvolve, a alegria inicial cede lugar aos verdadeiros desafios: o cansaço,
a monotonia, as dúvidas quanto à própria capacidade. Reparamos que alguns amigos desistiram do desafio, ainda estão correndo, mas apenas porque
não podem parar no meio da estrada. Eles são numerosos, pedalam ao lado do carro de apoio, conversam entre si, e cumprem sua obrigação.Terminamos por nos distanciar deles; e então somos obrigados a enfrentar a solidão, as surpresas com as curvas desconhecidas, os problemas com a bicicleta. Perguntamo-nos finalmente se vale a pena tanto esforço. Sim, vale...É só não desistir”
E não esquecer nunca que somos fruto de um dos mais maravilhosos milagres do cosmo, qualquer que seja nossa “Lenda Pessoal” , história ou destino...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Essas grandes vítimas, as mulheres




Pedro Coimbra

Cidade de Londres, 1888. As prostitutas viviam apavoradas, pois um cruel assassino de mulheres atacava na região do East End..A imprensa, como sempre, apelidou o monstro que as esquartejava de “Jack, o Estripador”. Tão repentinamente quanto haviam começado, os assassinatos pararam. “Jack, o Estripador”, desapareceu e daí em diante tudo foi conjecturas sobre a sua real identidade.
A história de “Jack, o Estripador” foi um dos primeiros relatos do gênero que ouvi. Afinal, quase todos nós gostamos de histórias de crimes, de terror, desde que não aconteçam conosco. Basta ver o sucesso de monstros vampirescos e outros na literatura, no cinema... Minha tia Milita, uma tranqüila professora de História no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Lavras, na década de 60, comprava as revistas “Detetive” e “X-9” e me repassava, Relato de crimes ocorridos nos Estados Unidos, cada um pior do que o outro e que me tiravam o sono...
O Brasil não poderia deixar de ter sua versão apurada de “Jack, o Estripador” através da triste história de Chico Picadinho, um cozinheiro e assassino que esquartejou duas mulheres em 1966 e 1976. Em 1965, Chico se mudou do Rio para São Paulo onde foi tentar a vida como cozinheiro, já que as belas praias e mulheres cariocas não condiziam com sua personalidade. Em pouco tempo, Chico já era um cozinheiro afamado, e logo era convidado para grandes festas onde havia muitas drogas e sexo. Em 1966, Chico fez sua primeira vítima: enquanto fazia amor com sua amiga Margarete, estrangulou-a com as mãos e apavorou-se ao vê-la morta. Retalhou-a e tirou o corpo de casa em sacolas, fugindo em seguida. Três dias depois, ao voltar para casa, deparou-se com agentes da delegacia de homicídios que haviam sido chamados por um amigo, com quem dividia o apartamento. Devido ao excesso de provas, não negou o crime e entregou-se sem resistir. Foi condenado a 18 anos de prisão, recebendo liberdade condicional na metade do tempo. De volta à vida agitada que tinha antes de ser preso, não demorou para que Chico matasse novamente: dessa vez, a vítima foi uma prostituta chamada Ângela. Depois de um jantar romântico, Chico estrangulou sua parceira e, como de costume, ficou apavorado. Como em sua nova casa não havia sacolas de supermercado, Chico teve a ideia de livrar-se do corpo jogando-o pelo vaso sanitário, e logo um grande entupimento aconteceu. A água transbordou, passando por baixo das portas do banheiro e da sala e chegando ao corredor do prédio. Como resultado, Chico foi preso novamente, desta vez por 30 anos. Hoje, apesar de já ter cumprido seu tempo na prisão, Chico avisou que não pode ser libertado. Chico Picadinho, o personagem da realidade brasileira que mais se assemelha ao canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) de O Silêncio dos Inocentes (1991)...
Casos como o do goleiro Bruno, que mobilizam nossa atenção, são emblemáticos, num país onde morrem dez mulheres por dia, vítimas do violência doméstica. Encontre-se ou não os despojos de Eliza Samudi, por muito tempo os programas de televisão de final de tarde vão discutir a psicopatia dos envolvidos que apresentam comportamentos anti-sociais e amorais sem demonstração de arrependimento ou remorso. Muitos também discutirão se tais comportamentos decorrem do déficit de afeição.
Para a mídia um acontecimento como este gera muita audiência durante o tempo que dure. E as autoridades constituídas, com maior ou menor competência, sentem-se valorizadas debaixo das luzes...
No final de tudo vai restar uma história macabra e terrível. E se verificarmos perceberemos a existência de belas mulheres como Eliza em todos os meios onde o exercício do poder predomina...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Aprendendo a torcer

Pedro Coimbra

Na sala, meus netos, João Gabriel, Laura e Júlia fazem muito barulho num primeiro contato com novos brinquedos. São jogos eletrônicos, bonecas e afins, sofisticados e caros.
Quando menino eu Governador Valadares, e eu era um menininho sempre muito limpinho, organizadinho, graças a minha mãe Maria e com poucos amigos, apesar da nossa casa ser nos fundos do Instituto Tiradentes, mantido por meus pais.
Nossos brinquedos eram todos improvisados, todos muito simples. Era um tempo em que pouco dinheiro circulava e ninguém pensava na tal sociedade de consumo. Os que nos davam mais prazer eram os carrinhos de rolimã, com os quais despencávamos pelo Morro do Carapina.
As bolas eram de meia ou de uma borracha vermelha resistente e algumas vezes aparecia uma bola de capotão muito pesada ou qualquer objeto de formato mais ou menos arredondado que pudesse ser chutado
Eu era péssimo nas peladas de rua, um legítimo perna de pau e por isso detestava o futebol.
Mas, no dia no dia 8 de junho de 1958 minha vida mudou, assentado ao lado do meu pai Renato, próximo a eletrola Telefunken, acompanhando a estréia da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo da Suécia. Na narração de Waldir Amaral decorei os nomes de Gilmar, De Sordi, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Didi e Dino Sani; Joel, Mazola,  Dida e Zagalo.
Da minha primeira Copa do Mundo guardei a lembrança do técnico Vicente Feola, que papai dizia dormir durante a partida e de Mazola, que desconfio fosse uma figurinha fácil no álbum que ele comprara. E do jogo final contra a Suécia quando permitiram que soltasse um foguete que quase estourou meu tímpano. De Pelé, nem tomei conhecimento…
Em 1962 já usava óculos o que comprovou a teoria de que poderia ter tido um desempenho melhor nos esportes se não fosse a minha violenta miopia. Assisti o final da Copa do Mundo defronte  a carroceria de um caminhão estacionado ao lado do Casarão do Capitão Evaristo em Lavras, ouvindo a narração esportiva por auto falantes: Brasil 3 xTchecoslováquia 1. E nas comemorações meus óculos foram despedaçados...
Na Copa do Mundo seguinte, a da Inglaterra, ouvia os colegas de classe dizerem que 66 jogadores brasileiros haviam sido convocados e que tudo estava uma zona. Assistimos Brasil 3 X1 Portugal sentados no estádio do Gammon, na esperança de que o mineiro Tostão jogasse. Tudo acabou quando entendemos que aquela que deveria ser a Copa de Pelé na verdade foi do português Euzébio...
No Ano da Graça de 1970 o Brasil vivia um ufanismo sem precedentes capitaneado pelo ditador de plantão, General Emílio Garrastazu Médici, que ouvia jogo no radinho de pilha no Maracanã enquanto a repressão política atuava por todo o país. João Saldanha, que era um dos desses rebeldes sem causa que surgem para melhorar o mundo, classificou  o Brasil e foi demitido de suas funções. Saíram as feras de Saldanha e entraram as formiguinhas de Zagalo. Mas, parece que estava escrito que o Brasil seria campeão do Mundo e vibramos todos com aquele hino idiota do Miguel Gustavo que era o “Prá frente, Brasil”: Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil/Do meu coração/Todos juntos vamos/Pra frente Brasil/Salve a Seleção/De repente é aquela corrente pra frente/Parece que todo o Brasil deu a mão/Todos ligados na mesma emoção/Tudo é um só coração!/Todos juntos vamos/
Pra frente Brasil, Brasil/Salve a Seleção...Argh!!!
A décima edição da Copa do Mundo FIFA de Futebol, ocorreu de 13 de junho até 7 de julho de 1974 e me pegou trabalhando muito em Brasília. Assisti um jogo com operários que trabalhavam na montagem de uma forma num reservatório elevado de água. Havia um timaço em campo, o da Holanda, que acabou perdendo para a Alemanha, na final. Não fiquei muito abatido pois meu primeiro filho, o Rodrigo, nasceria em agosto.
A 11ª Copa do Mundo, em 1978, disputada na Argentina, me encontrou de novo trabalhando muito e morando em Cachoeira Paulista que nem mesmo tinha a Canção Nova... Era o tempo do técnico Claúdio Coutinho e a Seleção era horrorosa! Um time inseguro, apático e sem imaginação apesar de ter Zico no elenco...Acabou em terceiro lugar e considerado “campeão moral” pelo Capitão Cláudio Coutinho...
Veio 1982 e no mês da disputa da Copa do Mundo, na Espanha, eu estava em Belo Horizonte. É lembrada pelo futebol ofensivo e criativo da Seleção Brasileira comandada por Telê Santana. Mas quem ficou com o título, e eliminou os brasileiros, foi a Itália. Brasil e Itália se encontraram no segundo jogo da segunda fase. Uma derrota mais triste do que a de 50 no Maracanã, esta do Sarriá...Também marcou pela morte do meu cunhado Rogério num acidente de carro.
A Copa do Mundo de 1986 no México foi a que o Brasil foi novamente dirigido por Telê Santana. Assisti os jogos no Lavras Tênis Clube e veio a eliminação nos pênaltis para os franceses, que foram eliminados pelos alemães nas semifinais. Foi um dia muito triste para o esporte brasileiro...
Deste tempo em diante resolvi desistir de torcer, o que foi uma grande besteira, pois jogar, torcer, ganhar e perder fazem parte da nossa existência humana.
Na verdade dei um golpe contra mim mesmo. Não me exponho publicamente ao lado da torcida fanática. Gosto de sentar diante de um aparelho de televisão, desligar o som, sintonizar o rádio na transmissão esportiva que penso ser mais emocionante.
Este ano de Copa na África poderia ser flagrado em dois atos falhos. No carro da família duas bandeirinhas do Brasil. E pelo correio enviei uma para meu neto João Gabriel porque afinal de contas é preciso aprender a torcer no campo esportivo para enfrentar o jogo da vida....E ter sempre na língua a eterna desculpa do Capitão Claúdio Coutiho: “Isso não deu certo mas dei o melhor de mim. Portanto sou “campeão moral da vida”...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A mulher de bota

Pedro Coimbra

ppadua@navinet.com.br

Seria um dia comum de outono se não fosse pelo frio que teimava por entrar no meio dos agasalhos que vestia e me enregelar.

Esperava cumprir aquele compromisso profissional e social e me enfiar debaixo de pelo menos três cobertores, numa cama aconchegante.

Era uma reunião em que o número de homem predominavam sobre as mulheres. Eles falantes e desinibidos e elas, estranhamente caladas, o que não era de seu feitio.

Encostei-me num canto e fiquei a observá-las, todas elegantemente vestidas.

Num instante percebi que quase todas elas calçavam botas.

Quando o homem surgiu lá na África distante não usava vestuário nenhum. Literalmente todos andavam nus. E talvez o que mais aborrecesse esses nossos irmãozinhos de um passado distante fosse caminhar num chão pedregoso, cheio de armadilhas.

Envergonhados, depois de conhecer o Mal, que os tirou de seu caráter angelical de seres especiais no Paraíso, sentiram vergonha de suas partes pubentas e trataram de se cobrir com toscas roupagens.

Daí para a primeira sandália a lhes proteger os pés foi um pulo, dizem os historiadores.

Andar descalço ou não tornou-se com toda certeza um sinal de civilização.

Um empreendedor se transferiu para a Corte do Marfim, com disposição e maquinário para fabricar meias. Lá chegando percebeu que iria a falência, pois ninguém comprava seus produtos. Simplesmente não havia demanda. Encomendou novas máquinas e começou a produzir sandálias de borracha que se transformaram num sucesso...

A bota é um tipo de calçado que todos nós sabemos ter o cano mais alto que o sapato comum. A altura do cano varia com a destinação ou em razão da moda.

São de inúmeros tipos: combate, militar, de motociclista, vaqueiro, feminina e outros.

São feitas com couro bovino, sola de borracha ou couro e forros em lã, pele ou sintéticos.

Surgiram da necessidade de proteger uma parte da perna das pessoas, acabando por se tornar um artigo de moda, do gosto das mulheres.

Localizo minha amiga de muitos anos, G., com os cabelos alourados, um casaco muito elegante, preto e botas da mesma cor.

Ao vê-la e perceber suas atitudes percebi que essa história de usar botas mais do que moda era um sensual fetiche.

Fetiche é uma palavra oriunda do francês e significa feitiço. É uma espécie de obsessão por alguma coisa, situação, pessoa ou parte da pessoa. Uma atração incontrolável que origina um prazer intenso, nem sempre ligado à prática sexual.

Mas ligado também profundamente a roupas de couro pretas, chicotinho e outras práticas sadomasoquistas...

A nossa conversa flui de forma muito agradável e me ponho a pensar se G. tem conhecimento de toda a simbologia contida naquele complemento do seu vestuário.

Concluo que as mulheres têm uma percepção muito maior do que a homens para o que nos atrai.

Mesmo que seja, como para G., puro charme...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Triste, não mais me encontrarei com você


Pedro Coimbra

         Acelerou o carro para ultrapassar um bando de motoqueiros a sua frente. No sábado havia morrido Dennis Hopper, diretor e ator de Sem Destino, filme que marcou toda uma geração, um cara que conseguiu vencer seu envolvimento com drogas e álcool, passando por momentos difíceis.
         O grupo parecia ter saltado diretamente das telas, com as mesmas máquinas e indumentárias.
         “Loucura!” Pensou Márcio. Easy Rider acontecera a mais de três décadas atrás.
         Naquela tarde ele estava ouvindo “My sweet Lord”, do tributo ao ex-Beatle George Harrinson, quando Melissa o chamou pelo telefone. Queria saber o que iriam fazer no final de semana.
-Vou pro rancho = ele disse. E logo emendou a frase: “Sem você”.
- Por que? – ela perguntou.
- Por  que estou triste e triste, não mais me encontrarei com você.
       Em 1974, resolvera comprar uma moto. Achava que essas máquinas podiam lhe devolver a liberdade perdida.
Escolheu uma motocicleta de 500cc, Kawasaki, com a carenagem verde e foi fazer um “test drive” numa avenida.
Quando se extasiava com o vento batendo no seu rosto, a chuva caiu. Um dos desses temporais repentinos e voltou para a revenda. Naquele dia fez um propósito de nunca mais andar nesses veículos de duas rodas, mesmo que tivesse que andar a pé.
O grupo de motociclistas seguia um triciclo cheio de bandeiras e caveiras que parecia conduzir seu líder.
Um seu amigo que trabalhava na Polícia Rodoviária Federal, uma vez lhe contara que vez ou outra paravam esses dinossauros e sempre encontravam drogas. Por uma dessas taras da existência humana ele colecionava fotos de acidentes com motoqueiros. Um dia ligou o computador e logo que mostrou as duas primeiras fotos Márcio sentiu mal, com ânsia de vômito.
1969 foi o ano que tudo aconteceu: Sem Destino, Woodstock e a contracultura. No Brasil, no final de 1969, o líder da ALN, Carlos Mariguella, foi morto pelas forças de repressão em São Paulo e começava a ditadura Medíci.
Melissa me dizia que não entendia essas ondas de tristeza que tomavam conta dele. Pudera! Ela era muito jovem, cheia de vida e sua maior tristeza foi a morte de Frederico, o peixinho que eu criava em um aquário.
Num ponto ela tinha razão ao criticar meus ataques de nostalgia. A vida sempre continuava com seus altos e baixos.
Como naquele dia que Márcio e os amigos foram para a Chapada caçar veados. Não viram nem um animal, beberam muita cachaça e acabou sendo vitimado na perna por um tiro de espingarda disparada por Pezão. Doeu muito e ele acabou manco para sempre.
“Fica assim não, Márcio”,  ela dizia e o abraçava com seu frescor juvenil.
                   Uma moto desgarrou da fila dupla e ele viu que era uma Indiana, uma marca muito antiga que devia ter sido recuperada. O garupeiro olhou bem nos seus olhos e não conseguiu identificar se era um homem ou uma mulher. Fez um gesto obsceno e dispararam atrás do líder.
Seu desejo imediato foi enfiar seu carro em cima deles, passar por cima, destroçá-los.
Eles tinham toda a liberdade que ele não tinha e se organizavam em grupos de cinqüenta ou mais máquinas, escapamentos abertos, perdidos em suas divagações...
Pouco a pouco eles foram se afastando. Colocou um CD para tocar e logo a voz de Bob Dylan o fez voltar a realidade.
“Desculpe-me, Melissa, minha princesa! Gostaria muito de estar com você, mas hoje é dia de juntar toda a tralha perdida pelo caminho”, pensou.
Nada demais. Afinal seria apenas um final de semana afastados, longe dos passatempos idiotas, dos jogos de baralho, das brincadeiras de adivinhações e das dificuldades para resolver os problemas culinários.
Na segunda-feira ela faria uma cara desolada e ele lhe diria mais uma vez: Triste, não mais me encontrarei com você...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Paixões femininas

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br


Minha avó Nair nasceu na Vila de Nepomuceno, pertinho de Lavras, filha de “sá” Donana e de “seu” João Barbosa, boticário, caçador de codornas, político, jornalista e amante das artes que viajava a cavalo para o Rio de Janeiro para se inteirar das novidades.
Não se sabe bem por que se casou com meu avô Pedro Coimbra, um alfaiate vindo de Tiradentes, cuja família era praticamente desconhecida por essas bandas.
Lembro-me bem, menino ainda, de folhear um álbum de fotografias junto com minha mãe e ver Dona Nair, muito linda, numa pose costumeira para os fotógrafos da época..
Foi uma mulher bonita, eu tenha certeza e nunca deixou de prender os cabelos curtos de uma maneira bem charmosa.
Quando a conheci a família já tinha sido vitimada pela fatídica “Roda da Fortuna”, com o pagamento de um famigerado aval para um rico fazendeiro, confiando no fio do bigode, como se dizia, pelo meu avô e moravam numa casa simples na rua Babosa Lima que fora residência do seu motorista.
Uma rua de terra ora muito enlameada no tempo das águas, ora com uma poeira vermelha que grudava na pele, na seca e que só tomaria ares mais civilizados anos depois quando meu pai, Renato, calçou a cara de uma família pessedista e pediu ao prefeito udenista, Nadinho, que a pavimentasse, o que foi feito.
Mas, Dona Nair enfrentou com altivez essas agruras todas e levou a vida como Deus queria e como as circunstâncias permitiam.
Adorava orquídeas e no seu quintal mantinha em uma mangueira duas ou três espécies que certamente não eram raras de Cattleias, Vandas, Phalaenopsis ou Cymbidiuns, mas singelas bailarinas amarelas, as Oncidium Zappi, que nos mostrava sorridente quando floriam.
No espaço que controlava e que não era muito grande, havia de tudo um pouco: “boca-de-leão”, crisântemos, girassóis, “palmas-de-santa-rita”, lírios, margaridas, violetas e avencas, sem contar aquelas que se perderam na minha memória.
No terreno vazio acima de sua casa e que mais tarde meu pai compraria havia um cerca tosca, vedada por beijos rosados.
Como seus maiores divertimentos eram bater perna, quando meu avô permitia,  e conversar com as pessoas, amigas ou não, quando elas faltavam dialogava com as suas plantinhas.
Vaidosa mesmo na simplicidade, nunca a vi sair para a rua sem antes passar um ruge rosa, colorindo as maçãs do rosto, leite de colônia na pele, prendendo os cabelos com ramonas, presilhas e depois lançando mão de uma pequena bolsa e uma sombrinha para se proteger da chuva ou do sol.
No tempo que restava das tarefas domésticas sentava-se em uma cadeira de um conjunto de palhinha austríaca, que meu avô comprara quando casaram e fazia por horas a fio, crochê e o frivolité, com sua inseparável navete.
Devia gostar realmente de crianças, pela turminha que colocou no mundo e pelos netos, que zoavam pela casa e a quem sempre tolerou com muita paciência. Sua única preocupação é que não perturbássemos meu avô, “seu” Pedro Coimbra, naquela época já afetado pela caduquice e que passava o dia inteiro de ouvido colado no rádio, sintonizado na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Sempre que penso nela sinto suas dificuldades para criar moças e moços num tempo em que não existia um emprego decente por toda a cidade.
Não há provas do que vou escrever a seguir e nunca foram encontradas anotações e vestígios que pudessem comprovar tais sonhos, dentre os despojos encontrados depois de sua morte, mas tenho certeza que quando às escondidas fazia sua fezinha no jogo do bicho, pensava que no dia que ganhasse na cabeça e que então compraria um lindo colar de perolas, um anel de safira ou um bom perfume francês.
Por que, saiba meu caro leitor, as paixões femininas são eternas...

terça-feira, 20 de abril de 2010

O cinema brasileiro está tomando juízo

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br

O cinema brasileiro apesar de ter seu início em 1898, não tinha muita expressão, e só mais tarde, graças ao assédio de aventureiros italianos, que dominavam a produção e exibição, passau a se preocupar com temas populares, crimes passionais e outras coisas mais ao gosto do público, e encontrou um relativo sucesso. Daí por diante foram ciclos mais ou menos bem sucedidos por todo o país, com seu ponto alto nas chanchadas da Atlândida e nas produções da Vera Cruz, em São Paulo, cuja principal obra comercial, que ganhou prêmio em Cannes, foi “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, que inaugura o gênero de cangaço, no estilo dos faroestes americanos.

Na década de 50 surgiria o cinema novo com realizadores independentes, o denominado cinema de arte. Cineastas como Walter Hugo Khouri, e Nelson Pereira dos Santos, num jeitão neo-realista. Este último cria o cinema moderno no Brasil, juntando jovens críticos e realizadores, o que originou o Cinema Novo, o mais importante movimento do cinema brasileiro. Surge então o ciclo de cinema baiano: "Bahia de todos os Santos" e o "Pagador de Promessas", sendo que o segundo foi o que mais faturou nas bilheterias, o que criou uma rusga eterna entre seu realizador, o galâ Anselmo Duarte e a “geração Paissandu”.  É o tempo de Glauber Rocha, com "Barravento" e depois "Deus e o Diabo na Terra do Sol".

Apesar de vivermos em Minas Gerais respirávamos o Cinema Novo, oriundo do Rio de Janeiro, com todas as suas malandragens. Nossos ídolos eram diretores premiados como Glauber Robcha, Paulo César Sarraceni, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Carlos Diegues, Sérgio Ricardo Walter Lima Jr, Luis Sérgio Person e até mesmo Gustavo Dahl, autor de “O Bravo Guerreiro” (Argh!!!)... Era literalmente um cinema maltrapilho, feito nas coxas, com câmeras na mão que tremiam, reflexos de luzes mal colocadas e o pior de tudo, rendas raquíticas e um roteiro de exibição subdesenvolvido. Por muito tempo o movimento foi sustentado pelos empréstimos de Joãozinho “Coração de Mãe” Pires, do Banco Mineiro do Oeste...

A verdade era que falava-se e discutia-se mais sobre cinema do que se realizava.

O público tinha horror dos filmes nacionais desse tempo, das histórias mal ajambradas, do som de quinta categoria...Esta semana mesmo conversei sobre esse assunto com um membro de uma família de operadores cinematográficos lavrenses e acabamos o nosso papo descontraído sem saber se as salas de projeção eram mesmo "planejadas" para os filmes com legendas, diálogos em língua estrangeira e nossos ouvidos acostumados a essa “pasta sonora”. Vez ou outra surgia um filme que quebrava todos esses estigmas, como "Todas as mulheres do Mundo", com a linda e gostosa Leila Diniz..

Com meu filho Ricardo e meu neto João Gabriel, de 9 anos, escapamos na noite de Belo Horizonte, e fomos assistir "Chico Xavier", que já atingiu os 2 milhões de espectadores, a frente de uma enxurrada de filmes estrangeiros.

E o que é o "Chico Xavier", produzido e dirigido Daniel Filho? Em primeiro lugar passa bem distante do cinema brasileiro de pires na mão. Em todos os momentos percebemos que recursos na sua produção foram acima do necessário. Em segundo lugar é uma cine biografia, com todas as virtudes e defeitos do gênero. Em terceiro lugar, apesar de contar a história do maior médium brasileiro, não faz apologia do espiritismo. Em quarto lugar não visa o sensacionalismo e passa bem longe, por exemplo, de uma discussão sobre o possível homossexualismo de Chico Xavier, que sempre afirmou ser um celibatário convicto. E finalmente, tem um excelente elenco, reconhecido por todos como grandes atores e atrizes, acostumados a representação no teatro e na telinha da televisão, e que quando abrem a boca, são entendidos por todos nós.

João Gabriel, meu neto, definiu bem o filme: "Vô! Estou com muito sono. Mas o filme é muito bonito!".

A escolher um ator entre tantos, jogos minhas fichas em Luís Melo, que interpreta João Cândido, o pai de Chico Xavier, de uma forma ao mesmo tempo desabusada e contida, E como são lindas Letícia Sabatella, a Maria e Giovanna Antonelli, a Cidália...

Saio pela ruas de Belo Horizonte, onde sonhávamos fazer o cinema mineiro e tenho certeza que o cinema brasileiro está tomando juízo...

sexta-feira, 16 de abril de 2010

As sombras dos seus olhos

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br


Luã estava sentado em uma mesa do botequim do Farah fazendo coisas definitivamente politicamente incorretas. Fumava um cigarro atrás do outro, esvaziava uma garrafa de conhaque e devorava porções de carne de porco com uma manta de gordura.
“Você está se auto-exterminando”, dizia sempre seu médico enquanto examinava o resultado de seus exames.
Mas ele não se preocupava e continuava a freqüentar aqueles estabelecimentos horrorosos, mas folclóricos, verdadeiras terra de ninguém. De uma aparelhagem de som colocada numa prateleira empoeirada saia um som empastelado, sem definição, que tanto podia ser MPB quanto rock.
Chovia muito. Um destes temporais tropicais que desabam no verão.
Estava sentado defronte para a porta de entrada quando ela entrou como um raio Ou melhor dizendo, trazida por um raio.
Vestia calças largas de seda, de cintura muito baixa e uma blusa com um decote estonteante, digno de uma diva de cinema. Nas mãos o que um dia foram sandálias antes de desmilinguirem naquela aguaceira.
Os cabelos não eram longos, nem curtos e molhados, emoldurando um rosto angelical.
Sem mais nem menos ela se atirou numa cadeira vazia em sua mesa.Cravou os cotovelos na madeira gasta do tampo e colocou as mãos debaixo do queixo.
Olhou-o com um olhar profundo que o deixou intimidado. Serviu-se de uma dose de bebida da garrafa para espantar o frio e disse chamar-se Tamara.
Tinha trinta e dois anos de idade e Luã jurava que fosse menos, uns dezesseis.
Tinha sido casada por duas vezes e agora não queria mais saber dessa triste experiência humana. Era bióloga e seu primeiro marido a abandonou por uma atrizinha de segunda categoria, “a rainha do teatro infantil em Beagá”...
“E o segundo?, perguntou Luã, já de pileque.
“Era pesquisador de um grande laboratório”, disse Tamara.
Morreu de repente e os amigos pensavam que fora infectado no laboratório em uma experiência maquiavélica.
.“O que você está fazendo por aqui?”, perguntou Luã
Vinha de uma aula de dança, de sapateado, na Solea, uma escola ao lado do Café Ideal.
Ela gostava de falar e Luã teve que ouvi-la até que Farah viesse avisá-los que iria fechar o estabelecimento.
Já não chovia mais quando pisaram o asfalto da rua.
Foi quando Luã disse a ela que era voluntário numa ONG de Meio Ambiente e que no dia seguinte iria para Boa Vista.
Abraçaram-se debaixo de uma marquise e se beijaram docemente.
Passou um táxi, Tamara fez sinal, um último afago em Luã e desapareceu na noite, sem ao menos deixar o número do celular.
Ele saiu andando pelas calçadas, evitando as poças d´água e os mendigos alojados em seus cantos.
Foi quando lembrou-se que o que mais o impressionara em Tamara tinha sido as sombras dos seus olhos...

quarta-feira, 31 de março de 2010

A mala misteriosa

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br


O entardecer já se aproximava quando a comitiva se aproximou da Igreja Matriz. A frente, Coronel Olegário, seguido de quatro capangas, com cartucheiras nas mãos.
O animais resfolegavam e por onde passavam as pessoas tratavam de se esconder por trás das janelas tal a fama do homem que usava uma longa capa Ideal, jogada sobre o lombo e pitava sem cessar um cigarro de palha.
Aproximaram-se da Casa Bancária Agrícola do Vale e os homens empurraram a porta, abrindo-a de sopetão.
Dois outros retiraram do lombo de um cavalo uma grande e pesada mala preta.
Seu Hilário, traquejado gerente correu a atender a ilustre figura.
- Coronel Olegário! Que honra ter o senhor no nosso humilde estabelecimento – disse.
Antônio João, contador da Casa Bancária Agrícola do Vale, levantou-se de sua mesa e estendeu a mão para cumprimentar o Coronel Olegário que não respondeu ao seu gesto amistoso.
Numa mesa no fundo da sala, Erasmo, um escriturário, olhava tudo por cima dos óculos.
- Preciso falar com o senhor – disse o Coronel Olegário e dirigiu-se com intimidade para a sala da gerência.
Conversaram poucos minutos e o Coronel Olegário saiu do recinto ordenando que seus homens trouxessem a mala e a colocassem dentro do cofre forte.
Seu Hilário fez um recibo e entregou-o ao Coronel Olegário que saiu de pronto para a rua e junto aos seus homens montaram nos cavalos.
Quinze dias depois voltaram a Casa Bancária e segundo notícia que correu logo pelo lugarejo retiraram do cofre forte uma mala vazia.
Possesso o Coronel Olegário agarrou o gerente, o contador e o escriturário, amarrou-os e os levou para o Vale das Flores.
Os habitantes da cidade diziam baixinho que muito dinheiro desaparecera da mala.
Os dois soldados que faziam parte do destacamento fugiram para suas casas ávidos de ficar longe daquela confusão.
Coronel Olegário e seus homens surraram os três funcionários da Casa Bancária Agrícola do Vale até a morte.
Depois com a cartucheira na mão ele atirou nos quatro capangas e esporeou o cavalo.
Um crime bárbaro e sem explicação, como todos diziam, pois nenhum dos três mortos teria coragem de colocar a mão em um tostão que não fosse deles.
Pouco tempo depois o corpo do Coronel Olegário apareceu boiando no córrego Real Grandeza, com uma corda e uma grande pedra amarrada no pescoço.
O mistério só foi resolvido anos depois quando Dirceu, um borra-botas que era faxineiro da Casa Bancária, num dia em que se encontrava muito bêbado, confessou que fora ele que abrira o cofre e depois a mala.
Para sua surpresa dentro dela só havia pedras, nem uma nota, só pedras.
- A fortuna do Coronel Olegário não existia – disse Dirceu que levou uma surra de mangueira dos soldados e depois foi mandado preso para a capital, para deixar de ser metido a gente grande...
Aquele casarão abandonado, refúgio de morcegos, é o que restou da Casa Bancária Agrícola do Vale...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Final de Paixão

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br


Mário já nasceu com uma forte marca, pois seu parto, normal, ocorreu numa sexta-feira, 13, na Santa Casa de Misericórdia.
Sua mãe, Helena, era costureira e ele nunca soube com certeza quem era seu pai.
Pelo que diziam as comadres sempre foi um garotinho muito saudável, de bochechas avermelhadas e muito sapeca.
Com sete anos e pouco teve sua primeira paixão por uma coleção de caixas de fósforos de propaganda, presente do compadre Expedito, que sempre aparecia em sua casa.
Colocou-as todas em uma caixa de sapatos vazia, dedicando~lhes o máximo cuidado.
No seu aniversário de dez anos o compadre lhe deu grossos álbuns de sua coleção de selos.
Eram exemplares de todo o mundo e Mário deitava em sua cama e olhava-os um por um.
Foi sua mais forte paixão e com todos os trocados que arrebanhava engraxando sapatos na Praça Central, corria até a casa de Sr. Luís e comprava mais alguns.
Adolescente já contava sua coleção com mais de seis mil exemplares, pouco valiosos em sua maioria.
No Ginásio, um professor moderninho, pediu para ver seu acervo e surrupiou grande parte deles. Ficou de boca calada, sofrendo no íntimo, mas a família do homem mandava e desmandava na cidade.
Acabou por desistir da filatelia e atirou os selos que haviam sobrado da sanha gatunesca daquele facínora em uma lata de lixo.
Naquele tempo arranjou um emprego de escriturário com Sr. Venâncio Contador. Ganhando bem ajudava a mãe Helena e compadre Expedito que definitivamente agora fazia parte da família.
Mas, veio-lhe de novo a compulsão e passou a comprar inúmeras camisas na loja do Tufy. Era um freguês tão assíduo que o turco passou a lhe reservar todas as peças que chegavam.
Cheio os guarda-roupas e arcas passou a empilhá-las por toda a casa
Um dia, no salão de sinuca, lotado de jogadores, aconteceu-lhe encontrar-se com Paulinho Bancário, ostentando uma peça igual a sua.
O pior, porém foi ouvir alguém dizer, “Tal pai, tal filho”.
Juntou-as todas e entregou-as no Asilo, abandonando essa mania.
E danou-se a namorar, o mais galã da terrinha, o mais apaixonado: Isaura, Maria, Teresa, Clara, Maria Teresa, Eurídice, Eleonora, Mirthes, Carmem...
No final não mais se lembrava de seus nomes e de seus rostos.
Seus amigos, porém asseguravam que Carmem foi mesmo sua grande paixão, o amor de sua vida.
Pensava mesmo em casamento, até que numa manhã de carnaval ela tomou um trem e desapareceu de sua vida, ao lado de um caixeiro viajante.
Final de paixão...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Uma velha história

Pedro Coimbra
ppadua@navinet.com.br


Fim de semana modorrento, um calor insano que ventilador ou ar condicionado nenhum consegue amainar, às vésperas de mais um carnaval.
A única solução é beber bastante água de coco e ficar zapeando pela tevê a procura de um assunto interessante.
O que surge na telinha prende minha atenção e me assusta, numa reportagem enorme sobre profecias e algumas vagas informações científicas que dizem que este nosso mundinho de Deus de 2012 não passará.
Demoro a cair na real e fico pensando que quando era menino as pessoas diziam que acabaríamos ora debaixo d´água ou no fogo e que de 2000 não passaríamos.
A matéria fala dos maias, de uma tribo de índios americanos, de indus, de Nostradamus, cientistas pouco conhecidos, choque de um asteróide com o planeta e atividade solar...
Esta salada fantasiosa, com resquícios de veracidade, me faz lembrar meu pai que sempre foi um homem muito pragmático e que sempre dizia que profecias eram desvarios, seus autores eram incapazes de prever seu próprio destino e que tinham mais aceitação na medida em que fossem mais enigmáticas.
A raça humana acabará um dia, como já aconteceu com diversos seres que habitaram a Terra. O planeta também, pois mesmo gigantescas estrelas são engolidas por buracos negros ou vitimadas pela sua força gravitacional.
Afinal de contas, tudo é finito, menos o espírito.
Por conta dessas teorias estapafúrdias fanáticos aglutinam seguidores e o final é sempre de descrença e tragédia...
Mais importante para mim agora na telinha é a história de uma dona de casa bonitinha, com umas gordurinhas a mais, que quer recuperar sua auto-estima no verão e vestir um biquinininho bem sensual.
Acaba nas luzes da mídia, vitimada por magarefes, que por preço aviltado praticam procedimentos cirúrgicos de que só ouviram falar.
E lá vai mais uma mulher engraçadinha vitimada por operação plástica que parecia ser tão baratinha...
Os autores da carnificina nunca serão punidos, como já se tornou...
E as crianças que desaparecem sem nunca mais dar notícias? O que acontece com elas? Tornam-se novos Peter Pan, perdidos na Terra do Nunca?
Por incrível que pareça, as vésperas do mundo acabar, segundo pessoas bem informadas a maioria delas é vitimada por rituais de Magia Negra...
Ainda bem que na alta madrugada sintonizo um canal onde Chico Pinheiro, José Renato, ex- Boca Livre, e Vanderléia, a Ternurinha, batem papo sobre música.
Eu que durante muito tempo tive traumas por ser apaixonado por bossa nova e rock, tudo ao mesmo tempo, vejo com prazer o compositor afirmar que música é principalmente atitude.
E não é a nossa vidinha uma velha história, sempre uma reação ou maneira de ser diante das situações?
Desligo meu eletrodoméstico e penso que um estudioso de Nostradamus bem poderia encontrar uma centúria que indique que tudo vai se acabar bem longe do amor e alegria, de preferência numa Quarta-Feira de Cinzas...

sábado, 6 de fevereiro de 2010

O fim da trapizonga do Tró-ló-ló


Pedro Coimbra
           
Dizem que Santana naqueles tempos era uma corrutela onde se escondiam portugueses, paulistas, índios, negros e aventureiros vindos de todos os locais do mundo conhecido. Quase sempre os primeiros trabalhavam de sol a sol e os outros viviam de espertezas.
            Jean Claude Troisgros surgiu de um dia para outro, com roupas estranhas e um perfume exalando um forte odor e fala enrolada. Para uns dizia-se francês e para outros prussiano.
            Como muitos parecia ter vindo a procura do ouro e das pedra preciosas nos rios e riachos das serras, mas queria mesmo era depenar os trouxas nas mesas de jogos.
            Mas uma coisa todos reconheciam nele: era o melhor de todos com uma espada na mão.
            Um dia, juntou sua tropa de mulas, escravos, índios e muitas mulheres e se mudou para a beira do rio, debaixo de um frondoso jacarandá.
            Em pouco tempo construiu uma grande casa, cheia de quartos, uma enorme cozinha e uma grande senzala para abrigar os serviçais escravos negros.
            Festas memoráveis, grandes orgias, lugar seguro para os potentados da época, naquela que foi considerada pelos historiadores a primeira casa de tolerância da Capitania das Gerais.
            Contava ele mais de oitenta anos quando morreu de morte natural, deitado com uma bugrinha sem vergonha, em uma rede.
            Aos poucos todos os agregados deixram a casa, que por falta de herdeiros foi se acabando.
            Até que apareceu Joaquim Tró-ló-ló que tinha esse apelido pelo tamanho descomunal do seu traseiro. 
            Era o melhor mestre de obras daquelas paragens e tudo o que sabia aprendera na Corte com os oficiais portugueses que embarcaram na aventura de Dom João VI, Rei de Portugal que corria dos franceses quando aportou nas terras brasileiras.
            Olhou para a casa abandonada, quase uma tapera, abanou a basta cabeleira e daí por diante tomou conta do lugar que todos diziam ser mal assombrado.
            Começou então a comprar todos os trastes que encontrava para sua estranha construção que era sempre no sentido vertical.
            Um frei capuchinho que foi visitá-lo disse que pelo jeito Tró-ló-ló queria atingir os céus e acabou abençoando-o e a sua obra, uma perfeita Torre de Babel, a troco de algumas moedas.
            Nos últimos tempos Tró-ló-ló não mais comia e nem dormia. Com uma botelha de um vinho verde ordinário sempre a mão prosseguia sua edificação que para alguns já estava mais alta que a torre da igreja da irmandade dos pretos.
            Mas tudo nessa vida tem seu preço. No fundo aquela trapizonga do Tró-ló-ló era um culto a ambição humana e uma afronta a Deus, toda a gente do lugar dizia.
            Numa noite de lua cheia ouviram-se grandes estalos por toda aquela parafernália que veio a baixo.
            O corpo de Joaquim Tró-ló-ló nunca foi encontrado e os moradores diziam que virou alma penada, assombrando o lugar, abraçado a Jean Claude Troisgros, o francês.
            Jogaram sal grosso nas ruínas e nunca mais ninguém ousou tomar posse daquele sítio que ficou abandonado para sempre..
            Ali só o que permaneceu exuberante foi o jacarandá, beirando os céus...